22 | I Série - Número: 093 | 7 de Junho de 2008
Há, portanto, a necessidade de bem regular e estamos prontos para, ainda este ano, provavelmente durante o mês de Novembro, podermos ter já a primeira participação no sector privado. No entanto, foram dadas orientações no sentido de aumentar, de imediato, toda a capacidade de resposta no sector público, porque isso nos permite poder fazê-lo já.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos Andrade Miranda.
O Sr. Carlos Andrade Miranda (PSD): — Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Saúde, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: Hesitei entre se devia falar-vos hoje do suplício de Prometeu, na tragédia de Ésquilo, ou do Anfitrião, de Plauto. Acabei por decidir falar de ambos.
Como certamente se recordam, Zeus, pai dos deuses, muito zangado por Prometeu ter roubado o fogo divino, manda acorrentá-lo a um penedo no Monte Cáucaso, onde uma águia diariamente irá devorar-lhe o fígado. Mas o fígado de Prometeu regenera-se e Prometeu não morre, vivendo, assim, o seu suplício eternamente.
Hoje em dia, também as células do próprio paciente são retiradas por biópsia, multiplicadas in vitro, implantadas na zona doente, dando azo à regeneração do tecido. A medicina regenerativa alcança hoje bem mais longe que o mito grego.
Por sua vez, Plauto conta-nos que, enquanto Anfitrião e o seu escravo Sósia estavam longe, numa guerra, Júpiter, que se apaixonara pela linda Alcmena, mulher de Anfitrião, consegue enganá-la, transformando-se, ele próprio, em Anfitrião, enquanto Mercúrio tomou aspecto absolutamente idêntico a Sósia.
O encanto pelo sósia mantém-se ainda nas nossas culturas, como o anseio pela alteridade do eu, ou seja, a fuga à sua incapacidade, à sua insuficiência.
Ora, a clonagem possibilitaria precisamente esta alteridade do eu, permitiria amar-me no outro, melhor ainda do que Narciso perante a sua imagem reflectida nas águas.
O mito do homem repetível — qual Sósia… — permanece hoje muito vivo, ameaçando a sobrevivência da espécie, roubando-lhe a biodiversidade.
Não quero abusar da vossa paciência, mas não resisto em recordar-vos ainda o mito dos andróginos em O Banquete, de Platão, onde Aristófanes conta que os primeiros homens tinham, cada um, quatro braços, quatro pernas, duas caras e ambos os sexos, tendo, portanto, cada indivíduo auto-suficiência reprodutiva. Zeus decidiu enfraquecê-los, dividindo-os a meio. Perderam a autonomia reprodutiva. Para se reproduzirem passaram a ter de buscar a sua cara-metade.
Observa-se, hoje, uma certa saudade, um secreto anseio da mulher para reconquistar a autonomia reprodutiva dos andróginos de Platão.
A reprodução medicamente assistida permite à mulher procriar sem ter de se relacionar com um homem. E, se a clonagem fosse permitida, então a mulher nem sequer precisaria do espermatozóide de um banco de sémen. Teria reconquistado a plena autonomia reprodutiva.
Noutra ocasião, falar-vos-ei do mito do Centauro ou dos sucessos anunciados, dos perigosos sucessos anunciados da nova lei inglesa da embriologia e fertilização humana.
Sr.as e Srs. Deputados: Esta proposta de lei do Governo convoca-nos para reflectir sobre todas estas questões que perseguem a nossa civilização há mais de 3000 anos, mas ao Parlamento, por todo e por junto, foram concedidos seis dias para preparar este debate, sem que o Governo tenha sequer facultado ao Parlamento o conjunto de pareceres emitidos por um conjunto de entidades a que alude na sua proposta.
É preciso que aqui se deixe registado para memória futura que a Assembleia da República não tem qualquer responsabilidade pelo facto de o Governo ter deixado ultrapassar todos os prazos legalmente estabelecidos para a transposição destas directivas.
No momento em que proliferam as redes nacionais e transnacionais de manipuladores de tecidos e células de origem humana, no momento em que o próprio Pentágono e o exército americano decidiram criar um instituto destinado a desenvolver métodos de regeneração da pele, dos músculos e dos membros de soldados feridos, no momento em que a engenharia tecidular avança em Portugal, o Governo não podia ter