35 | I Série - Número: 101 | 3 de Julho de 2008
O Sr. Honório Novo (PCP): — O «não» irlandês põe também a nu a verdadeira razão de ser do enorme terror que determinou a estratégia, mais ou menos secretamente acordada durante a Presidência alemã, em Junho de 2007, e que impunha que a ratificação do Tratado de Lisboa fosse feita sem o recurso a referendos.
O medo de ouvir os cidadãos era tal que combinaram não realizar referendos, mesmo onde eles se impunham, ética e politicamente, por causa de referendos negativos anteriores (caso da França e da Holanda), sem os permitir onde eles tinham sido objecto de compromisso eleitoral de todos os partidos sem excepção (caso de Portugal), ou sem os autorizar em países onde as respectivas opiniões públicas reconhecidamente o exigiam (como é, pelo menos, o caso da Inglaterra).
O resultado do referendo irlandês põe bem em evidência as razões que levaram o PSD, o PS e o Governo de José Sócrates a dar o dito por não dito, a faltar à palavra e aos compromissos, impedindo, em Portugal, um referendo ao Tratado de Lisboa.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Os sucessivos «não» em processos de ratificação onde tem sido possível ouvir os cidadãos, o cada vez mais evidente afastamento da generalidade dos cidadãos do processo de construção europeia, tem de forçar os responsáveis europeus a inverter as orientações fundamentais que têm presidido à construção europeia e que estão bem espelhadas no Tratado de Lisboa.
A solução do problema não está na repetição dos referendos até que o resultado seja «sim».
A solução do problema não pode, nem deve, remeter para a Irlanda o que deve ser resolvido no plano comum. Muito menos deve voltar a pressionar os irlandeses, pretextando com uma mentirosa paralisia do funcionamento institucional, acenando com os milhões do orçamento comunitário, ou invocando o disparate político — que é simultaneamente um dislate autoritário inaceitável — dos poucos milhões de irlandeses face aos 450 milhões de cidadãos dos 27 Estados-membros.
A solução só é possível quando os responsáveis políticos perceberem (se é que algum dia o perceberão…) que a construção europeia não pode ser feita na base de acordos secretos de gabinete, não pode provocar sucessivas e crescentes mutilações nas soberanias nacionais, não pode consolidar o federalismo sob domínio e comando das grandes potências, não pode pôr em causa o princípio da igualdade entre Estados-membros, não pode dar guarida institucional ao neoliberalismo, ao poder do Banco Central Europeu e às normas do Pacto de Estabilidade — causas primeiras do fraco crescimento, do desemprego crescente, do desprezo por direitos sociais adquiridos e da destruição dos serviços públicos —, não pode aprofundar o militarismo intervencionista, nem atitudes de ingerência policial, onde quer que seja que os interesses próprios que representa não sejam compatíveis com as legítimas opções de terceiros.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. Honório Novo (PCP): — A solução só será possível quando os responsáveis políticos aceitarem (se é que algum dia aceitarão…) que não é possível aproximar os cidadãos europeus de Bruxelas, nem fazer com que os Estados-membros votem «sim» aos tratados, enquanto forem aprovadas «directivas retorno», que visam a detenção e expulsão de imigrantes e familiares através de medidas de natureza securitária, repressiva e criminalizadora da imigração, ou quando se aprova uma directiva que permite prolongar o tempo de trabalho até às 65 horas por semana, isto é, que faz regressar o regime laboral na União Europeia à quase escravatura.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
O Sr. Honório Novo (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: É, pois, preciso parar e reflectir.
O Sr. Presidente: — Queira terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Honório Novo (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Sobretudo, é preciso alterar as orientações políticas comunitárias, para que estas deixem de servir apenas os países grandes e poderosos ou os grandes grupos económicos e financeiros, e passem antes a estar ao