56 | I Série - Número: 054 | 7 de Março de 2009
Na verdade a distinção que significa a canonização de um herói da independência nacional, como foi o
condestável Nuno Álvares Pereira, merece realce e congratulação por parte das autoridades portuguesas. É,
aliás, o que acontece em geral quando um Estado ou outro tipo de entidade internacional distingue a figura de
algum cidadão ou figura histórica portuguesa.
O voto de congratulação não significa tomada de posição quanto aos pressupostos e critérios, processos e
condições da atribuição da distinção que são da ordem interna da Igreja Católica e sobre as quais não cabe às
autoridades em geral, ou em especial ao Parlamento Português, pronunciar-se ou emitir juízos de valor.
É com estes pressupostos que deve ser entendido o voto favorável do Grupo Parlamentar do Partido
Socialista.
Os Deputados do PS, Rita Neves — Jorge Strecht — Alberto Antunes — António Galamba — José Vera
Jardim — Alberto Martins — Ana Catarina Mendes — Helena Terra — Celeste Correia — Nuno Sá.
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Como historiadora, quero brevemente referir-me ao voto n.º 208/X (4.ª), apresentado pelo CDS-PP de
congratulação, pelo anúncio da canonização de D. Nuno Álvares Pereira.
A Assembleia da República tem-se congratulado com pessoas individuais e colectivas que até no
estrangeiro enaltecem Portugal em diversas áreas e de diferentes formas, o que é muito louvável para a auto-
estima dos Portugueses.
D. Nuno Álvares Pereira (1360-1431), Condestável do Reino, é, sem qualquer dúvida, dos maiores vultos
da História de Portugal.
Com visão agnóstica, Oliveira Martins em «A Vida de Nun'Álvares», p. 26, resumiu: «Nun'Álvares remiu
Portugal do cativeiro castelhano iminente, abstraindo a Nação dos limbos obscuros da política pessoal dos
reis, para a assentar sobre os alicerces firmes da vontade popular; aclamando-a num voto de acção heróica, e
deixando-a, de pé e armada, pronta para a conquista do seu lugar épico na história da civilização moderna».
Lembro a referência que Fernando Pessoa (Mensagem, I, IV) fez a Nun'Álvares:
«Que auréola te cerca? / É a espada que, volteando, / Faz que o ar alto perca / Seu azul negro e brando. /
Mas que espada é que, erguida, / Faz esse halo no céu? / É Excalibur, a ungida, / Que o Rei Artur te deu. /
Sperança consumada, / S. Portugal em ser, / Ergue a luz da tua espada / Para a estrada se ver!»
Há pessoas que se notabilizaram ou por grandes feitos ou por notáveis virtudes. Nun'Álvares Pereira
destacou-se em ambos os aspectos, o que honra Portugal.
A Deputada do PS, Matilde Sousa Franco.
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O voto que o PP pede a esta Assembleia nada tem a ver com os méritos ou deméritos históricos do
Contestável da crise de 1383/85, nem a esta Assembleia da República, que não é a Academia de Ciências,
competiria embrulhar-se nesse tipo de debates.
O voto que o PP propõe quer colocar a Assembleia da República, órgão de soberania de um Estado laico e
constitucionalmente vinculado ao princípio da separação do Estado e das Igrejas, a congratular-se com um
acto puramente interno de uma Igreja particular: a canonização de um santo da Igreja Católica.
Precisando, o PP quer pôr esta Assembleia, de uma república laica, a reconhecer a cura milagrosa das
lesões do olho esquerdo da Dona Guilhermina de Jesus, sofridas pelos salpicos ferventes do óleo de fritar o
peixe, para a qual invocou a intercepção do beato Álvares Pereira; quer pô-la a congratular-se com este
milagre e consequente canonização do Vaticano.
Esta bancada, Sr. Presidente, entende que a Igreja Católica e qualquer outra que trabalha com a
Santidade, têm todo o direito de fazer os Santos que entendam. Mas a Assembleia da República não pode, em
caso algum, sem grave violação do princípio da separação, pronunciar-se sobre tamanha transcendência.
Votámos, por isso, obviamente, contra.