47 | I Série - Número: 002 | 17 de Setembro de 2010
Reflecte este espectáculo consideráveis diferenças que são ditadas por uma particular interpretação do fenómeno tauromáquico.
A história de muitas das nossas manifestações culturais é feita também de apontamentos vários sobre a festa de toiros. Não foi a nossa festa que inspirou a Fiesta de Hemingway, mas escritores em geral, poetas, pintores como Picasso inventaram ou recriaram palavras, versos e imagens que passaram a pertencer ao nosso património cultural.
Celebrar a diferença é admitir as diferenças.
Devemos «varrer para debaixo do tapete» o que pode ser incómodo? Não nos aceitamos nas nossas próprias imperfeições? Queremos que a história comece e a cultura nasça como se fosse hoje o primeiro dia do mundo? O amanhecer de um dia claro impõe que nos olhemos como somos e não que nos transformemos em sociedades robotizadas, talhadas por igual e monótonas. Às vezes, estas controvérsias vertidas em petições são úteis. Fazem-nos desviar, por momentos, a atenção dos nossos mais agudos problemas, principalmente, como é o caso, de todo o longo cortejo de misérias das nossas políticas culturais.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Aos toiros é fácil provocar a sua cegueira e raiva agitando um capote rosa ou uma muleta vermelha. Esquecem o resto, precipitam-se sobre o que pensam estar à sua frente, seja o que for, o movimento assim os engana. A grande, a inegável vantagem do homem que o enfrenta é perceber o erro, distinguir o essencial do acessório, raciocinar.
A Sr.ª Ministra da Cultura agradecerá, por certo, que aqui nos reunamos hoje para discutir esta matéria.
Estou certo que não é uma prioridade cultural.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Começo por saudar os peticionarios que se dirigiram à Assembleia da República, exercendo um direito de participação política que nunca é demais sublinhar.
Nos vários considerandos da petição, os seus subscritores aduzem um conjunto de argumentos no sentido de justificar a oposição à decisão tomada pelo Governo de criar uma secção de tauromaquia no Conselho Nacional de Cultura e ainda no sentido de exigir a suspensão de quaisquer apoios, directos ou indirectos, do Estado às actividades tauromáquicas, incluindo a sua transmissão pela televisão pública.
A questão que a petição em apreço coloca é matéria complexa e controversa, que mobiliza frequentemente posições pessoais inflamadas e inflexíveis, quer por parte de quem entende as actividades tauromáquicas como um elemento da cultura e das tradições portuguesas que deve ser preservado, quer por parte daqueles que se lhe opõem e que entendem que se lhe deve pôr fim.
Considerando a questão do ponto de vista político, continuamos a afirmar que a cultura, as tradições e os costumes de um povo não podem ser encarados como elementos imutáveis e definitivos da sua história, não sendo igualmente matérias que se possam definir ou extinguir por decreto, em função de opiniões pessoais impostas a toda a comunidade, seja no sentido da sua aceitação, seja no sentido da sua extinção.
Vozes do PCP: — Muito bem!
O Sr. João Oliveira (PCP): — A cultura, as tradições e os costumes de um povo são elementos cuja validade depende essencialmente do seu enraizamento popular, correspondendo por isso à realidade concreta de cada momento histórico, estando sujeitos à evolução em função das transformações sociais ocorridas.
É no contexto concreto das políticas culturais executadas pelo actual Governo PS que esta decisão de criação de uma secção de tauromaquia no Conselho Nacional de Cultura deve ser apreciada.
Esta decisão é, aliás, bem ilustrativa das práticas governativas e da natureza das políticas do actual Governo PS.
É ilustrativa das práticas políticas de um Governo que recusa a democracia participada, que recusa ouvir cidadãos e agentes culturais na definição de políticas concretas, que vota praticamente à inutilidade todas as