17 | I Série - Número: 028 | 10 de Dezembro de 2010
O Sr. Presidente (Luís Fazenda): — Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Termina amanhã em Cancún, no México, a cimeira da ONU sobre alterações climáticas, a 16.ª Conferência das Partes (COP).
A Conferência de Copenhaga, realizada no ano passado, acabou num rotundo fracasso: sem metas definidas para o período pós-Quioto, sem qualquer vínculo determinado, com a demonstração de que os chefes de Estado e de governo dos países com mais responsabilidades não ligam nada às matérias climáticas, com a União Europeia a perder completamente embalagem neste dossier.
As esperanças viraram-se para a conferência seguinte, a realizar em Cancún, em 2010. Mas depressa se percebeu que Cancún seria apenas a continuação, e até a confirmação, desse fracasso de Copenhaga.
O mundo ameaçado de um aumento de temperatura muito prejudicial, de mais e mais fenómenos climáticos extremos e devastadores, da subida do nível dos mares, de ameaça às zonas costeira (com problemas ambientais, sociais e económicos gravíssimos), e os chefes de Estado e de governo só se preocupam com a forma como salvaguardam a posição do sistema financeiro no mundo! Aí há soluções e financiamentos encontrados de um dia para o outro, ferindo as economias e as condições de vida das populações.
A humanidade ultrapassou o limite do que o planeta consegue suportar. Um planeta e meio era o que precisávamos neste momento para sobreviver ao ritmo a que se vive, com uma distribuição, claro, de responsabilidades muito díspar entre as várias regiões do mundo, com os países e regiões mais pobres, como sempre, a sofrerem consequências da gula e da hipocrisia dos países mais ricos.
Ora, é perante este cenário que Cancún demonstra, até hoje (véspera do fim da conferência), que não serviu para nada, para absolutamente nada, e já se está a adiar para o ano qualquer solução de combate às alterações climáticas, na cimeira que terá lugar na África do Sul, ou até para a cimeira que decorrerá em 2012, no Brasil, salvaguardando-se já novo falhanço na África do Sul.
Continuar a adiar é a conclusão da Conferência de Cancún.
O período de cumprimento do Protocolo de Quioto acaba em 2012. Depois disso, fica tudo em aberto em relação ao combate às alterações climáticas. E, ficando tudo em aberto, é a vitória da opção política de nada fazer para salvaguardar este planeta, numa das dimensões que se torna mais ameaçadora.
Segundo a comunidade científica, era preciso reduzir as emissões de gases com efeito de estufa entre 25% a 40% até 2020. A União Europeia mantém a sua proposta de redução de 20%, abaixo do necessário. Os EUA, o maior emissor per capita do mundo, não querem baixar as suas emissões para além da ordem dos 10%; se for menos acharão que tanto melhor e se não forem vinculativas, então, soma-se o útil ao agradável.
A China, o maior emissor global, torna a sua posição dependente dos EUA. O Japão, o Canadá e a Rússia não querem uma prorrogação do Protocolo de Quioto, até porque os EUA estão fora deste acordo. Até em relação às metas de financiamento para os países mais pobres, no que concerne ao combate às alterações climáticas, os EUA têm sido um obstáculo à sua definição.
Em troca de um acordo que defina metas de combate às alterações climáticas estão-se a procurar definir acordos paralelos como o REDD (Redução de Emissões de Desflorestação e Degradação), que procura pôr a floresta dentro do mercado de carbono e gerar na floresta, e agora acrescentando a agricultura, condições propícias a negócios de biomassa e de generalização de transgénicos. Ou seja, o vazio que querem criar na definição de objectivos, cria-lhes margem a estes acordos paralelos que visam a obtenção de negócios para os países ricos, alargando o seu campo de influência a todos os outros países. É a exploração a qualquer preço.
O capitalismo tem esta característica: fazer dos desastres que provoca um novo meio de negócio com a capa da salvação. Definir metas não gera negócio, mas definir o alargamento do negócio da biomassa e dos transgénicos ou do mercado de carbono, em detrimento da salvaguarda da saúde pública e da alimentação mundial, gera negócios brutais! É nestas mãos, Sr.as e Srs. Deputados, neste modelo e nesta lógica que o planeta se encontra. Um modelo que já deu provas que não é sustentável nem do ponto de vista económico, nem social, nem ambiental.