26 DE OUTUBRO DE 2012
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Aplausos do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Bruno Dias.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ao ler o
preâmbulo desta proposta de lei e ao ouvir os Srs. Deputados que intervieram até agora, alguém até poderia
ficar com a ideia de que estaríamos perante um momento histórico, um ponto de viragem na política de defesa
do consumidor e direito do consumo. Falam em atribuir maior eficácia à proteção do consumidor, em evitar o
aumento do endividamento, em reforçar a proteção do utente, em melhorar o funcionamento do sistema
judicial.
De que trata, então, esta medida histórica? Trata do seguinte: se o cidadão se atrasar no pagamento da
fatura das telecomunicações, é notificado para pagar em 30 dias e, findo esse prazo, o serviço é suspenso; a
advertência ao utente passa a ter de ser feita com uma antecedência de 20 dias quando era de 10 dias; e as
faturas têm de indicar as consequências do não pagamento do preço do bem ou serviço. Aí têm VV. Ex.as
a
medida histórica de que estamos aqui falar!
Teria um pouco mais de prudência ou de moderação na saudação que é feita a esta medida. Bem
gostaríamos que ela se traduzisse, quanto mais não fosse, na diminuição das pendências em sede judicial,
sendo esse o objetivo efetivo ao avançar com esta proposta. Mas isso é completamente diferente daquilo que
se passa — que será, no mínimo, abusivo e, no limite, uma hipocrisia política —, que é saudá-la ou até
apresentá-la como uma proposta de aumento da eficácia da proteção ao consumidor. Não é disso que se
trata, na verdade.
Esta é a proposta que remete para a famigerada Lei das Comunicações Eletrónicas, que é a lei das listas
negras dos consumidores devedores, que é a lei que atribui praticamente todo o poder aos prestadores de
serviços, aos grupos das telecomunicações e que coloca numa situação de grande fragilidade os utentes, os
consumidores, as populações perante um serviço básico essencial! Trata-se de um regime, o dos serviços
básicos essenciais, que é cada vez mais, e aqui mais uma vez, subordinado ao regime dessa Lei n.º 5/2004.
A propósito dos pareceres que foram aqui citados, deve haver algum engano, porque os pareceres,
bastantes, que foram apresentados não se referem a esta proposta de lei — referem-se, sim, a um anteprojeto
de decreto-lei, que, por sinal, seria inconstitucional; por isso, é que aparece aqui esta proposta de lei — e não
têm a ver com o próprio articulado que estamos aqui a debater. Falam de artigos que não existem mas não
falam dos artigos da proposta. É outra formulação.
Mas seria, no mínimo, de bom tom, que pareceres, por exemplo como o do Conselho Superior da
Magistratura, que alertam para o facto de que as alterações projetadas só conferirão um efetivo reforço dos
direitos dos consumidores se a suspensão ou a subsequente resolução contratual não onerar os
consumidores com as prestações futuras dos contratos celebrados com a vinculação a um prazo temporal
alargado, de 12 ou 24 meses, que é aquilo que se mantém, no caso da suspensão do contrato.
Todo o poder, essencialmente, continua na mão da operadora de telecomunicações, deixando, desta
forma, fragilizado, refém desta relação contratual o consumidor, o utente, não valendo a pena considerar que a
passagem de 10 para 20 dias de antecedência na notificação é aqui a diferença da terra para a lua…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Claro!
O Sr. Bruno Dias (PCP): — … porque o problema significativo e fundamental continua num regime jurídico
de serviços públicos essenciais, básicos, fundamentais para a população, em que está em causa o facto de se
poder ser contactado e de contactar alguém, e não esta situação que estamos hoje aqui a viver, de uma
proposta que não resolve o essencial.
E esse, quanto a nós, o problema: é que não se resolve o essencial.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Queira concluir, Sr. Deputado.