I SÉRIE — NÚMERO 26
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O que acontece, e é extraordinariamente perigoso para a democracia — e vejam que isto devia ser um
adquirido e que não devíamos estar a falar disto neste termos agora, mas, enfim, vamos então explicar
exatamente o que acontece e por que é que isto é importante —, é que, quando uma qualquer sociedade é
dona de órgãos de comunicação social e a sua participação nessa sociedade não tem a ver com o modelo de
negócio ser comunicação social mas outro qualquer, isso significa que o órgão de comunicação social não tem
independência do poder económico. Ou seja, significa que há alguém que compra um órgão de comunicação
social e que não lhe interessa saber muito bem como é que funciona, não lhe interessa até se o negócio
enquanto comunicação social é viável ou não. Porquê? Porque não serve para fazer comunicação social da
forma independente que se quer na democracia; é, sim, um veículo para um qualquer negócio, para um poder
económico ou um poder político oculto. É disso que estamos a falar.
É por isso que, na comunicação social, as regras são, e devem ser, muito apertadas. E é por isso que, em
Portugal, faltam regras.
Quando nós não sabemos quem são os donos dos órgãos da comunicação social portuguesa, isso significa
que não sabemos se há independência do poder económico desses órgãos de comunicação social — e isso é
gravíssimo.
Mais: não sabemos se há concentração. É que, quando uma qualquer sociedade de capitais participada,
que tem sede sabe-se lá onde, cujos donos podem ser vários, e multiplicar-se por várias sociedades, podem
ser a mesma pessoa ou as mesmas pessoas, podem ter os mesmos interesses económicos e políticos
disfarçados em várias sociedades, porque não são obrigados a dizer quem são, porque não há uma lei da
transparência que os obrigue a dizer quem são, mas, entretanto, vão comprando órgãos de comunicação
social uns atrás dos outros, já viu como isto é assustador, Sr.ª Deputada? Já pensou?
A Sr.ª Carla Rodrigues (PSD): — Está a fazer um «filme»!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Quem é que está a tentar comprar… De quem é a Cofina, daqui a pouco
tempo? Quem é que tem uma percentagem do Correio da Manhã, o jornal mais lido em Portugal? Não lhe
preocupa o que acontece se a Controlinveste for vendida e a Sr.ª Deputada não souber a quem?
Controlinveste que detém, entre outros, o Diário de Notícias, o Jornal de Notícias e a TSF. Isso não a
preocupa? Não a preocupa que o Governo que apoia queira vender metade da RTP e não se saiba a quem?
Já pensou? Já pensou o que é um País que corre o risco de ter mais de metade da sua comunicação social
controlada por interesses económicos e políticos que não se assumem?
Aplausos do BE.
A Sr.ª Presidente (Teresa Caeiro): — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Bruno Dias.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Como já foi aqui dito, este projeto é, e
com toda a legitimidade, a reapresentação de uma iniciativa que o PS trouxe a este Plenário no passado dia 3
de julho.
Entendemos que os problemas que se colocavam, à data, não se resolveram, antes pelo contrário, no que
diz respeito à concentração da propriedade e à falta de transparência e no que diz respeito à dominação
crescente que o poder económico exerce na comunicação social.
Reafirmamos o que defendemos na altura: a transparência plena e o conhecimento público da propriedade
dos meios de comunicação social é algo que faz falta, que é necessário, e parece-nos muito bem que haja
propostas e iniciativas no sentido de aprofundar esse conhecimento e essa transparência. Importa dizer que
sem transparência nada feito, mas só a transparência não chega! Ou seja, quando a comunicação social se
vai aprisionando e transformando em coutada do poder económico e das grandes empresas, quando vai
desaparecendo gradualmente o pluralismo no sistema mediático, é preciso dizer que não ficamos sossegados
com o facto de sabermos quem são os donos dessa coutada. É, pois, preciso evitar que essa situação se
aprofunde e se agrave; é preciso evitar que vá piorando a gravidade do problema.
De resto, como dissemos — e reafirmamos —, estamos de acordo com a transparência da propriedade e
com a sua defesa. No entanto, parece-nos que isso não é suficiente, tanto mais que a inconstitucionalidade