I SÉRIE — NÚMERO 33
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Vozes do PS: — Muito bem!
O Sr. Luís Pita Ameixa (PS): — Titulava o Diário de Notícias:«Tribunais são poupados em terras do
PSD». E escrevia assim o circunspecto diário: «A Ministra da Justiça recuou no encerramento de cinco
tribunais, todos eles localizados em municípios geridos pelo PSD. Ao contrário do que fora anunciado, a
proposta final do Ministério da Justiça para a reforma judiciária mantém em funcionamento os tribunais de
Almodôvar, Nelas, Sátão, Valpaços e Vila Nova de Foz Côa, onde os sociais-democratas são maioritários».
Pois, Sr.ª Ministra, como é que o País se pode orgulhar de uma proposta de alteração legislativa e do
sistema judiciário que, em vez de ser feito de acordo com os interesse superiores do País, é feito de acordo
com os interesses da máquina do partido (o PSD) a que V. Ex.ª pertence?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados: Sr.ª
Ministra da Justiça, a proposta que hoje aqui nos traz é, de facto, uma proposta de organização do sistema
judiciário que assenta, fundamentalmente, em três argumentos falsos que justificam que a Sr.ª Ministra não
tenha respondido às questões que lhe coloquei.
Em primeiro lugar, fundamenta-se no falso argumento de que toda a especialização é um ganho para a
justiça e que sem esta proposta de lei não há especialização. Sem dividendos os ganhos da especialização
em determinadas áreas, outras há em que se levantam justíssimas dúvidas quanto aos efeitos nefastos de
limitação e estiolamento do julgador e de perversa uniformização da jurisprudência que resultam da
especialização.
Por outro lado, ficou já demonstrado que não precisamos desta proposta para termos justiça especializada.
Há anos que temos tribunais especializados, de família e menores, de trabalho, de comércio, e bastaria a
vontade do Governo para que eles pudessem ser estendidos a outras áreas do País.
Em segundo lugar, esta proposta de lei baseia-se no falso argumento da melhoria da qualidade da justiça.
A qualidade da justiça, Sr.ª Ministra, tem um critério fundamental de apreciação, que é a existência ou não de
recursos das decisões judiciais. Justiça de qualidade é aquela com que os cidadãos se conformam, decisões
judiciais de qualidade são as que motivam menos recursos. Ora, quando olhamos para o funcionamento da
justiça em Portugal percebemos que é precisamente nos tribunais onde se faz justiça com mais qualidade que
o Governo pretende levar por diante esses remendos. É nos tribunais de menor dimensão com menos
processos e sujeitos a menor pressão de procura que se produzem decisões judiciais que motivam menor
número de recursos junto dos tribunais superiores, e são precisamente esses que a Sr.ª Ministra e o Governo
pretendem encerrar.
Em terceiro lugar, o Governo utiliza o falso argumento das supostas proximidade e facilidade de acesso
dos cidadãos com a nova organização judiciária. Uma proposta que encerra tribunais e obriga populações a
deslocarem-se para mais longe quando hoje têm no seu concelho o tribunal a que devem recorrer para
resolver os seus problemas é, manifestamente, uma proposta que não contribui para a proximidade e a
facilidade de acesso dos cidadãos à justiça e que, antes, deixa os cidadãos mais longe da justiça, Sr.ª
Ministra.
Quanto a nós, a proposta de lei levanta quatro problemas distintos e quatro problemas de natureza
fundamental.
Em primeiro lugar, trata-se de uma proposta construída sem qualquer consenso.
Por outro lado, levanta problemas relativos ao acesso dos cidadãos à justiça e aos tribunais, que são
problemas estruturantes do Estado de direito democrático e do nosso regime constitucional.
Em terceiro lugar, levanta problemas relativos à estruturação interna do poder judicial, que não são
problemas de menor monta.
Em quarto lugar, levanta problemas relativos à articulação e ao relacionamento externo do poder judicial
com outros poderes constitucionais, nomeadamente com o poder político.