I SÉRIE — NÚMERO 33
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povo, recuperando, Sr.ª Ministra, conceções da escola histórica do direito, que há muito já estão
ultrapassadas, até do ponto de vista filosófico.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Honório.
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as
e Srs. Deputados: O
modelo que estrutura a presente proposta de lei casa com o chamado mapa judiciário. Temos um novo
sistema, assente num tribunal de comarca, 23 comarcas, um tribunal de 1.ª instância por cada comarca e
depois toda a rede que aqui anotou.
O certo é que o Governo elabora uma nova geografia para a justiça. Mas o problema da nova geografia
para a justiça é que ela não coincide com a geografia do País.
Sr.ª Ministra, racionalizar recursos não é o mesmo que racionar, fazer o racionamento no acesso à justiça.
E é disto que estamos aqui a falar, nem menos, nem mais.
Fez aqui vários agradecimentos a inúmeras entidades e representantes. É verdade que, nos últimos
meses, houve um esforço significativo para ouvir as múltiplas vozes que foram condenando e criando críticas a
este processo e a este modelo, com toda a razoabilidade, mas quero recordar-lhe, com toda a consideração,
que os muitos autarcas que recebemos nesta Casa ou os representantes da Ordem dos Advogados, cujos
pareceres se multiplicaram, não fizeram estes pareceres por desconhecerem que o País já não anda de
carroça, pelo contrário, Sr.ª Ministra, foi por estarem perto das populações, por conhecerem a realidade do
País, por estarem no terreno e saberem que o modelo que hoje aqui discutimos castiga as populações,
penaliza a interioridade, torna o acesso à justiça muito mais distante e um problema deste modelo.
Disse-nos, também, que manteve um diálogo muito amplo, que ouviu todas as entidades, mas quero
recordar-lhe algumas das críticas que muitos deles continuaram a deixar por escrito e que revelam bem a
necessidade do consenso que não existe, do consenso que não pode invocar, porque, na verdade, o que
estamos aqui a discutir é um modelo que é uma obra de engenharia, feito sobre a secretária, mas que está
muito longe do que as populações e a geografia humana do País mereciam. Deixo-lhe, pois, algumas dessas
críticas estruturais, pois não posso deixá-las todas: há comarcas sobredimensionadas; não foram tidas em
conta propostas de divisão dos distritos judiciais, nomeadamente uma proposta muito importante para Lisboa
ou para Aveiro; há um mapa único de funcionários para toda a comarca, o qual pode obrigar à deslocação de
pessoas para mais de 100 km; as secções de proximidade, que tanto exaltou, são, na verdade, postos de
atendimento judicial e não sei como pode entender que têm outros conteúdos para além destes; há tribunais
encerrados com critérios que nem sequer são atendíveis e válidos; há tribunais que perdem as suas funções
sem qualquer sustentabilidade, não se percebendo porquê a perda de funções dos tribunais de Mértola e
Chaves, por exemplo, qual o sentido destas opções, que já foram casos apontados; a criação de múltiplas
secções de proximidade — é verdade! —, esta, sim, Sr.ª Ministra, uma forma de mitigar o problema; a gestão
tripartida dos tribunais, com a qual ninguém se entende. E todos deixam graves críticas a este modelo, quer
relativamente às funções do presidente, quer relativamente às do administrador.
A Sr.ª Ministra da Justiça: — Não é verdade!
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — Há, ainda, do nosso ponto de vista, aspetos que indiciam uma preocupante
governamentalização da justiça, como, por exemplo, tribunais que podem vir a ser criados por decreto, à
revelia, aliás, das competências e das reservas da própria Assembleia da República, ou, ainda, o Conselho
Superior da Magistratura não fixar o número máximo de processos a distribuir a cada magistrado, limitando-se
a propor medidas a que, enfim, o Governo vai atender, para evitar o excesso de processos.
Sr.ª Ministra da Justiça, a proposta que hoje debatemos é um recuo quer na qualificação da democracia,
quer no acesso à justiça por parte das populações, pelo que, evidentemente, o Bloco de Esquerda só pode
condená-la e chamar a sua atenção para não vir aqui falar de consenso, pois não tem o consenso do País, da
geografia humana do País e de múltiplos agentes da justiça que estão, inevitavelmente, envolvidos neste