I SÉRIE — NÚMERO 68
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Srs. Deputados, há uma preocupação que temos: quando se fala na liberdade contratual da partes é
«como quem diz», porque nós sabemos o poder desigual e as posições negociais nessas relações contratuais
que fazem com que o que é colocado no vosso anteprojeto de decreto-lei, nomeadamente nos n.os
4 e 5 do
artigo 6.º, levante preocupações profundas sobre aquilo que referem como práticas unilaterais. Se estiverem
no contrato, tudo bem, como se poderia dizer, mas não está tudo bem, Srs. Membros do Governo e Srs.
Deputados.
Portanto, nós aqui, na Assembleia da República, só vamos votar e decidir sobre as matérias que têm a ver
com o próprio articulado, com os três artigos da proposta de lei. Assim, autorizado que fique o Governo, depois
o decreto-lei sairá dos gabinetes ministeriais. Cá estaremos para ver qual o teor desse decreto-lei, quais as
soluções apontadas e se, de facto, são mesmo soluções ou se são meias soluções ou problemas novos, como
parece ser a referência às práticas unilaterais, deixando abertura para contratos que continuem em vigor, que
já vêm do passado e que, em grande medida, colocam situações profundamente desiguais e de grande
injustiça, e isso não pode ser aceite.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Concluo já, Sr. Presidente. Quanto à questão da não discriminação de marcas relativamente às marcas de fabricante, as marcas
«brancas», é preciso criar uma solução mais concreta e mais efetiva para responder ao problema.
Termino, dizendo que o problema do reforço de competências da ASAE tem de ser acompanhado do
reforço de meios para a ASAE. É que agora as novas competências previstas na iniciativa já lá não vão com
soluções tipo rusga. Isto implica uma análise económica, implica capacidade de estudo e investigação do
ponto de vista económico, que vai exigir, inclusivamente do ponto de vista técnico e da capacidade dos seus
recursos humanos, e não só, uma nova realidade que tem de ser garantida, não apenas no papel e nas
competências, mas também nos meios de ação para que isto não fique apenas pelas intenções, pois é
necessário tomar medidas concretas para garantir que o mercado funcione não apenas nas palavras, mas nos
atos que os senhores agora vêm anunciar.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Drago.
A Sr.ª Ana Drago (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta que o Governo hoje nos traz é bem importante. Creio que este debate foi criado em Portugal muito pela voz dos produtores ligados ao setor
agrícola. Hoje, como disse o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro, ele abrange diferentes setores de
fornecimento à grande distribuição e todos nós temos na memória práticas muitíssimo questionáveis por parte
do setor da grande distribuição que tiveram lugar em Portugal nos últimos tempos. Creio, portanto, que haveria
um longo debate a fazer sobre esta matéria.
O Governo apresenta aqui um conjunto de propostas que, diria, têm algum avanço em relação àquele que
era o quadro vigente, mas deixa muita coisa por definir de forma clara.
Por um lado, há um conjunto de conceitos que creio serem relativamente pouco claros e, por outro, em
matéria de litigância, a pouca definição e clareza dos conceitos utilizados no decreto-lei que virá a ser
aprovado pelo Conselho de Ministros trará problemas óbvios no futuro.
Creio mesmo que, em relação às práticas negociais abusivas, há aqui um conjunto de critérios muito pouco
claros. Veja-se, por exemplo, a questão da imposição unilateral que, conhecendo nós o peso da grande
distribuição em Portugal, será uma matéria difícil de averiguar. O mesmo se diga em relação às vendas com
prejuízo, porque, se é certo que o Governo caminha no sentido da sua proibição, abre, contudo, um conjunto
de «alçapões», que, estou certa, serão aproveitados pelo setor da grande distribuição.
A verdade é que — isto também já foi aqui dito por alguns Srs. Deputados — temos de analisar o peso
relativo no mercado dos diferentes operadores. E se tivermos em conta que o setor da grande distribuição tem
um peso enorme na economia, em Portugal — veja-se o peso que as empresas de grande distribuição têm na
bolsa nacional ou no PSI 20 —, percebe-se que há um desequilíbrio óbvio entre os produtores e o setor da