I SÉRIE — NÚMERO 72
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Hoje, dois anos passados, e para usar um termo que recentemente voltou a estar na moda, os resultados
da narrativa da direita estão à vista. Os portugueses sofreram, enquanto todos os salários foram descendo, a
segunda maior subida do preço da luz, no espaço europeu: desde o primeiro semestre de 2011, para as
famílias, os custos da eletricidade subiram 25%.
O que se passou, portanto, no setor da eletricidade, é elucidativo da política do Governo e da troica:
privatizações, aumento brutal de impostos e manutenção das rendas garantidas aos privados, pois, para o
Governo, todos os contratos com os privados são sagrados, menos os contratos que garantem o direito ao
salário e às pensões, que, estes, sim, são letra morta.
É público que o Memorando de Entendimento, assinado em 2011, previa o aumento da taxa do IVA sobre a
eletricidade. O Governo, como, aliás, afirmou, foi, no entanto, além do imposto pela troica e resolveu entender
que eletricidade não é um bem essencial — e nem ficou pela taxa intermédia, saltou diretamente para a taxa
máxima de IVA —, pelo que as famílias viram as suas faturas da eletricidade subir não 7%, mas 17%, de um
mês para o outro.
Este aumento brutal da taxa de IVA não foi compensado pelo anunciado ataque às rendas garantidas à
EDP e à produção. Aliás, é bom lembrar que a primeira baixa no Executivo teve a ver exatamente com esta —
e não foi por acaso. No exato momento em que Henrique Gomes, então, Secretário de Estado da Energia se
pronunciou contra as rendas excessivas garantidas à EDP e à produção, saiu do Governo. É que, como bem
sabemos, quem se mete com o Dr. Catroga, com o Dr. António Mexia, com a EDP, leva.
Já com um novo Secretário de Estado, o Governo anunciou os resultados de uma renegociação no setor
energético: 2080 milhões de euros, até 2030 — «a montanha pariu um rato»!
Ao longo de 18 anos, o Governo conseguiu uma suposta redução de 115 milhões de euros ao ano. Mas
nem isso conseguiu, verdadeiramente, porque, ao estender a duração das rendas no tempo, o único resultado
palpável foi garantir para a EDP «mais tempo e mais dinheiro».
É por isso que não há melhor testemunho do falhanço do Governo do que o comunicado que a própria EDP
fez aos seus acionistas e ao mercado, e cito: «O impacto económico-financeiro para o Grupo EDP
corresponde aproximadamente a 1% do EBITDA», ou seja, da rentabilidade. Corte de 1% para a EDP,
aumento de 25% para as famílias. Têm a certeza, Sr.as
e Srs. Deputados do PSD e do CDS, que ainda têm o
topete de falar na justa distribuição dos sacrifícios?
Tudo isto seria ridículo, se não fosse trágico. Há hoje a multiplicação de famílias a braços com dívidas
crescentes no serviço de distribuição da energia, famílias a quem a EDP já cortou o serviço, idosos a viver à
luz das velas, empresas estranguladas pela fatura energética. E todos se perguntam o que são os custos
acrescidos que pagam todos os meses na fatura, com fórmulas estranhas e opacas: CIEG, CMEC, CAE.
Todas estas siglas se referem a pagamentos e custos inexplicáveis.
Nos Custos de Interesse Económico Geral (CIEG) está presente o chamado défice tarifário, que nasceu
subitamente na política portuguesa, quase de geração espontânea, a partir de 2006. Os chamados Contratos
de Manutenção de Equilíbrio Contratual (CMEC) foram criados por António Mexia, que saiu da EDP para ir
para o Governo, onde, enquanto Ministro de Santana Lopes, negociou estes contratos e depois regressou à
EDP.
Bom, estes contratos garantem à EDP, segundo os cálculos da ERSE, 441 milhões de euros só este ano.
Na cogeração, temos esta situação inexplicável: o produtor ganha se vender a energia que produz e for ao
mercado buscar aquela que consome, porque o preço que lhe é garantido na produção está acima do preço
de venda em mercado. Deve ser, certamente, o mercado a funcionar no seu esplendor, dirão os partidos da
maioria.
E porquê? Usemos a explicação de Luís Pisco, jurista da DECO, Associação de Defesa dos Consumidores,
que fala de custos políticos e lembra o essencial: a EDP foi sujeita a sucessivas fases de privatização e foi
preciso, e cito, «manter a pílula dourada para os compradores».
É, portanto, aqui que a narrativa do Governo colapsa. O Governo manteve custos abusivos e impôs novos
custos às famílias e à economia — a tal economia dos bens transacionáveis —, em nome da manutenção das
rendas garantidas à EDP e da proteção dos seus interesses privados.
Na maior crise da nossa história, com uma contração brutal do produto e do emprego, tem a EDP lucros
acima de 1000 milhões de euros. Uma coisa é certa, Sr.as
e Srs. Deputados: claramente, a EDP vive acima
das nossas possibilidades.