7 DE DEZEMBRO DE 2013
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Srs. Deputados, conforme consta do guião de votações, vamos começar por apreciar o voto n.º 163/XII
(3.ª) — De pesar pelo falecimento de Nelson Mandela, subscrito por todos os grupos parlamentares
juntamente com a Presidente.
Como costuma acontecer sempre que um voto é subscrito por todos os grupos parlamentares, o voto não é
lido, havendo lugar a intervenções de todos os partidos.
Antes das diversas intervenções, não resisto a deixar uma nota pessoal, inevitável, sobre o falecimento de
Nelson Mandela.
Começaria, desde logo, tomando por antonomásia as palavras de um seu discurso, dizendo que este é um
dia de tristeza para o espírito humano.
É muito difícil, perante a gigantesca realidade de Mandela, a suficiência das palavras.
Com alguma humildade, gostaria de deixar dois ou três registos, partilhando este arrepio de tristeza que a
todos nos atinge.
O primeiro registo é o que tem a ver com o facto de Mandela simbolizar a capacidade imensa que um
homem só tem para transformar o mundo, uma grandeza sem limites, como se um homem só fosse — e, na
verdade, é — capaz de ser um exército.
O segundo registo é para referir o que ele nos deixa de mensagem implícita, mas muito intensa: toda a
injustiça é sempre a prazo, porque a injustiça é contra a razão e porque é contra a razão não perdura.
A outra referência que gostaria de deixar tem a ver com o seu longo tempo de espera na prisão, com o
silêncio ou quase-silêncio, com a inércia ou quase-inércia de uma comunidade internacional, que foi capaz de
conviver tanto tempo com o absurdo da injustiça e da iniquidade.
Essa culpa coletiva que todos, de um modo ou de outro, arrastamos, obriga-nos, em honra da memória de
Mandela, a olhar para outros lugares onde a injustiça mora.
A grandeza de Mandela não se exprimiu apenas na dificuldade da luta — muitas vezes é mais difícil fazer a
paz do que fazer a luta —, foi, depois do apartheid, a grandeza da superação do ressentimento, a capacidade
de evitar e de contornar a fratura.
Quando o apartheid terminou, Mandela lutou, do mesmo modo, por um convívio equilibrado e digno entre
os homens; lutou por um convívio digno e humano entre todos.
A frase de Mandela que registo «eu sou o senhor do meu destino» é, nem mais, nem menos, do que a
afirmação viva, e no terreno, da dedução transcendental kantiana, que é o pressuposto universal de toda a
justiça: a capacidade imensa de raciocinar e de agir que é inerente ao ser humano.
Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, com o arrepio de quem hoje sente na memória de Mandela o
impulso de um dever de libertação de todos e para todos, que nos cabe a nós como agentes políticos, deixo
aqui o registo da minha imensa tristeza e também um sentimento quase paradoxal de privilégio de poder ter a
oportunidade de manifestar aqui, em lugar público, a minha imensa dor como ser humano.
Srs. Deputados, todos os grupos parlamentares usarão agora da palavra pela ordem que está
consensualizada: do maior partido para o mais pequeno.
Dou, pois, a palavra, em primeiro lugar, ao Sr. Deputado António Rodrigues, do PSD.
O Sr. António Rodrigues (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uma
primeira referência, desde logo, para assinalar que o Governo também se quis associar a este voto. Raras são
as vezes em que se consegue uma unanimidade tão global.
Essa é a primeira expressão que julgo que podemos agregar ao espírito de Nelson Mandela, pela sua obra,
pela forma como progrediu, ao longo de toda a vida, entre o momento em que decidiu lutar pela liberdade, o
momento em que se viu privado da liberdade e, depois dela, continuar a trilhar o caminho da liberdade.
Liberdade é, seguramente, uma expressão de uma dimensão absoluta, que casa com o espírito e com a
personalidade de Nelson Mandela.
Mas há uma segunda expressão da qual não o podemos dissociar: a humildade. Como ninguém, ao longo
de tudo aquilo por que passou — algemado, preso, sujeito a sevícias, escondido dos olhares de todos nós e
do mundo —, ele atraiu sobre si, sempre com atenção, sempre com cuidado e sempre com espírito de
humanidade, a atenção de todos, mas, ao mesmo tempo, com um espírito humano de uma candura, de uma
forma tão discreta, que podemos dizer que ele representava também o lado discreto da liberdade, com a
humildade com que encarava toda a vida e tudo aquilo que lhe tinha acontecido.