I SÉRIE — NÚMERO 63
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Portanto, a apreciação que aqui fazemos e o assinalar desta preocupação por parte da Assembleia da
República pesará, seguramente, no trabalho que irá ser desencadeado junto do gabinete do Secretário de
Estado da Cultura e também, obviamente, dos serviços do município de Lisboa, que já o fizeram no passado.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana
Mortágua.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Penso que não será necessário
falar da importância do cinema Odéon, um cinema histórico em Lisboa. Tem uma arquitetura única: teto de
madeira tropical, néons gigantes, palco com moldura e frontão em artdéco, camarotes, galerias, balcões. De
facto, é uma peça única do património arquitetónico português e, neste caso, lisboeta.
O cinema Odéon encerrou nos anos 90. É um cinema privado, tem uma série de descendentes que nunca
se entenderam entre si e a verdade é que, por nunca ter tido obras de conservação, uma boa parte do edifício
degradou-se grandemente, prejudicando a conservação do património, nomeadamente o telhado, as galerias e
a claraboia do edifício.
Mais recentemente, a Câmara Municipal de Lisboa aprovou uma informação prévia para a transformação
do cinema num centro comercial e numa série de parques de estacionamento subterrâneos, mantendo apenas
algumas características do edifício. A informação acabou por caducar, tal como aqui já foi dito, mas o
problema mantém-se: não há nenhuma garantia de que se mantenha toda a riqueza arquitetónica deste
edifício, nem o seu uso e usufruto enquanto polo cultural da cidade de Lisboa.
O cinema só chegou a este estado e só nos encontramos nesta situação hoje porque nunca foi classificado
como imóvel de interesse público. Isso esteve em processo várias vezes, o processo foi arquivado pelo
IGESPAR (Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico) em 2009 nunca se percebeu muito
bem porquê nem como.
As alterações da tutela da gestão do património vieram dificultar este processo mais recentemente e a
única classificação que existe é a classificação conjunta no espaço da Avenida da Liberdade, que os próprios
peticionários já vieram dizer que só protege a fachada, não protege os interiores, nem a complexidade
arquitetónica e, sobretudo, o seu valor cultural para a cidade.
Nesta matéria, há vários temas que consideramos importante analisar.
O primeiro tema refere-se à classificação. É urgente classificar este imóvel como de interesse público, e é
isso que a petição vem pedir. O Bloco de Esquerda apresentou um projeto de resolução nesse sentido, que foi
rejeitado por PS, PSD e CDS. Não compreendemos a rejeição dessa urgência relativamente à classificação do
imóvel histórico. Aliás, o próprio PSD, na Assembleia Municipal de Lisboa, aprovou uma moção do Bloco em
que se pedia a classificação, pelo que há até uma contradição por parte do PSD relativamente aos seus
sentidos de voto.
Em segundo lugar, é importante que se faça uma reflexão sobre o uso dos edifícios. Não podemos permitir
que, cada vez que um edifício mude de propriedade, haja uma classificação relativamente ao património que o
protege, mas que não haja nenhuma proteção do uso do edifício e do seu valor histórico, cultural e material, e
esse é preciso salvaguardar.
Em último lugar, é preciso pensar a forma como preservamos o nosso património. Não serve só proteger as
fachadas ou proteger determinados elementos como se fossem apliques que, depois, vêm servir de adorno em
novas construções.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Peço-lhe que conclua, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Mariana Mortágua (BE): — Termino, Sr. Presidente.
É preciso ter uma visão mais abrangente da proteção do património.
Obviamente que, para tudo isto, é preciso haver um Governo com vontade e com capacidade política para
o fazer e temos as maiores dúvidas de que um Governo que destruiu o Ministério da Cultura e que vende
quadros Miró de forma ilegal o possa fazer.