21 DE MARÇO DE 2014
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A Câmara Municipal de Lisboa não tem, mas podia ter, instrumentos legais para impedir a concretização
dos direitos dos proprietários além daqueles que dizem respeito ao exterior, à fachada e às coberturas, que já
foram aqui referidas — e aproveito para sublinhar que é insuficiente, quer no entendimento dos peticionários
quer no entendimento do PCP.
No entanto, o interesse patrimonial do edifício é evidente e fica claro pelos processos de classificação a
que já foi sujeito, bem como pela sua inclusão no perímetro da proteção da Avenida da Liberdade. O papel do
Estado é, neste caso claramente insuficiente perante a situação concreta.
O interesse particular não se pode sobrepor ao interesse público e por isso o Governo deve mobilizar todos
os esforços, em articulação com os proprietários e a autarquia, para assegurar a salvaguarda e a valorização
daquele património.
Infelizmente, em Portugal, o direito de propriedade privada é, muitas vezes, e ainda que à margem da lei,
sobreposto aos direitos comuns de defesa e de valorização do património: o direito a ter uma casa
abandonada e a degradar-se sobrepõe-se ao direito a habitá-la; o direito a fazer centros comerciais com
estacionamentos subterrâneos sobrepõe-se à salvaguarda do património arquitetónico histórico dos lustres em
néon, dos palcos com frontão e moldura em revelo art déco.
Mas não é a lei que condena o Odéon e a Assembleia da República não pode determinar a sua
classificação; são as opções políticas do Governo — intervir ou não intervir — que podem salvar o espaço e
criar as condições para poder tornar a projetar ou devolver o espaço à atividade cultural.
Do mesmo modo se pode dizer que a autarquia não utilizou ainda mecanismos, nomeadamente de
classificação de interesse municipal, que poderia utilizar para assegurar a continuidade daquele espaço com
as caraterísticas que tem ou que poderia ter no caso da recuperação.
Os eleitos municipais do PCP não apoiaram, em momento algum, qualquer espécie de reconversão
daquele espaço que implicasse a desfiguração das suas características.
No entender do Grupo Parlamentar do PCP, entendemos que o Governo tem os instrumentos legais
necessários, pelo que não há necessidade de legislar para salvar o Odéon.
Contudo, um Governo que condena o seu próprio povo a viver no desemprego, na pobreza, que lhe subtrai
a educação, a saúde, a cultura e a arte e um Governo que se retira das mais fundamentais funções socias que
lhe cabem é um Governo que deixa poucas esperanças quando se trata de salvar um património. Um Governo
diferente, que valorize a cultura, a arte, as funções culturais e sociais do Estado, teria condições para
concretizar essa política do património, mas para isso seria necessário um Governo que utilizasse o poder a
favor do interesse comum, do interesse público e não do interesse privado, como faz o atual.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Ferro Rodrigues): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Conceição
Pereira.
A Sr.ª Maria Conceição Pereira (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Em primeiro lugar,
cumprimento os mais de 10 000 peticionários que nos trouxeram a debate este assunto, pois, como já aqui foi
dito, estamos a falar de um dos cinemas com mais história na cidade de Lisboa e certamente no País, com os
seus mais de 84 anos de existência e a memória de muitos dos que hoje estamos nesta Sala de ter sido
naquele local que assistimos pela primeira vez, maravilhados, a uma primeira sessão de cinema.
Sr.as
e Srs. Deputados, um País e um povo sem memória não têm futuro, por isso quando falamos do
Odéon, como aqui já foi dito, falamos de uma sala de encantar pelo seu teto, pelos seus lustres, pelo seu
riquíssimo palco, pelo seu frontão, pelos seus balcões, que, ao longo de gerações e gerações, sempre nos
deliciaram. Ainda hoje, apesar da sua degradação, ainda podemos apreciar a sua fachada metálica num
rendilhado de vidros coloridos.
Por essa sala, como já foi referido pelos Srs. Deputados, passaram grandes êxitos do cinema português e
espanhol, alguns deles com artistas já há muito desaparecidos — quem não se lembra da Marisol e do
Joselito!
Há mais de 16 anos que esta sala está em pleno abandono. Esteve em vias de classificação como imóvel
de interesse público entre 2004 e 2009, tendo sido posteriormente arquivada a 30 de outubro.