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I SÉRIE — NÚMERO 78

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Merkel falou, a conversa acabou! Se Berlim manda, o Governo cumpre. Se os mercados murmuram, o País

estremece.

Estranha forma de democracia esta, em que toda a governação é feita a pensar nos mercados e avaliada

por eles e em que, em seu nome, se rejeita a existência de qualquer alternativa a este fanatismo «austeritário»

destruidor.

A justificação desta traição é a culpa: culpa dos idosos, que insistem em ter uma pensão para a qual

descontaram; culpa dos desempregados, que provocam despesa social; culpa dos doentes, que tomam

medicamentos a mais; culpa de um povo de trabalhadores, que viveu acima das suas possibilidades; culpa de

um povo, que ousou deixar de ser pobre e, por isso, perdeu a honradez.

Moralismo sinistro este de quem diz a Portugal que governe para punir, para sacrificar e para redimir.

Moralismo sinistro este de quem se orgulha da «cultura de excelência» da escola do fascismo que só

produziu analfabetos, de quem tolera a praxe violenta e humilhante.

Moralismo sinistro este de quem impõe a sua novilíngua, chama oportunidade à emigração forçada;

empreendedorismo à venda de pipocas; requalificação ao despedimento; reforma do Estado ao

desmantelamento dos serviços públicos.

Entretêm-nos com esta longa lengalenga que a educação é cara, que a saúde é dispendiosa e que as

pensões não são sustentáveis. Uma lengalenga interminável para que nunca perguntemos: quanto custa e a

quem dá a ganhar toda esta austeridade? Quanto custa e a quem dá a ganhar a passagem do que é público

para o privado?

E, chegados aqui, vêm reclamar aquilo que ninguém em democracia ousou reclamar: querem a eternidade

do seu poder. Reclamam um pacto de regime ou, nos termos orgulhosos de quem sempre regressa ao local

do crime, o consenso do arco da governação.

Aos mercados incomoda essa maçadoria chamada democracia e os governantes, para lhes fazer a

vontade, apelam a um consenso e é o que repetem todos: de Merkel ao FMI, do BCP ao Banco de Portugal.

Mas o País não pode suportar a escolha entre a austeridade nefasta e a austeridade fofinha. A austeridade

não é um remédio, é uma peçonha!

Fizeram de 10 milhões de cidadãos as cobaias de um laboratório e os resultados estão à vista: cinco anos

do maldito remédio e o País tem menos gente mas mais pobres. Este País não é para velhos, porque não

respeita o seu passado, mas também não é para jovens, porque não se pode ser jovem tendo nada à frente.

O consenso, que, aqui e hoje, vai ser refrão, é o embuste dos governantes que querem silenciar o País

para continuarem a governar para os mercados. Chamam consenso à passagem do tempo da troica para o

tempo do tratado orçamental. Um salto limpo da panela para a frigideira, pois não é de finanças saudáveis que

trata o tratado orçamental e muito menos da sustentabilidade do modelo social europeu.

O que o tratado quer instituir é a subjugação de todas as políticas a uma regra financeira, o que o tratado

diz é que a democracia acaba onde o défice começa e que só há uma forma de cumprir a regra: austeridade.

Este consenso da austeridade e do tratado orçamental é a ameaça que paira sobre o nosso futuro. Em seu

nome é tecida uma outra constituição, não escrita, não votada, não escrutinada. É a lei dos credores e dos

mercados, que querem sobrepor-se à Constituição de Abril.

Em seu nome, legitima-se o despedimento sem justa causa, alteram-se leis sem justa causa, cortam-se

direitos sem justa causa.

Um cantor, do outro lado do mundo, usou as palavras certas para descrever a regressão social que tenta

tomar conta do nosso País e do nosso presente: «Eu vejo o futuro repetir o passado / Eu vejo um museu cheio

de grandes novidades».

Pois nestes 40 anos reclamamos o poder transformador desse dia que rompeu com um passado sem

futuro. Foi Abril que nos trouxe aquilo que é nosso, que é partilhado e que faz a democracia.

E a democracia é feita, pela sua própria natureza, de alternativas, e elas existem, como ficou bem claro

com a abrangência do apelo pela reestruturação da dívida. A prioridade é essa; o desafio é este: não nos

respondam com ameaças, com os afobos da Comissão Europeia ou os trovões dos mercados! Falem-nos de

soluções.

As soluções são difíceis, mas existem. A solução é: coragem. As pensões dos idosos valem mais que as

rendas garantidas; as pessoas valem mais que os mercados; a democracia vale contra o empobrecimento e

Portugal vale mais que a Goldman Sachs.