I SÉRIE — NÚMERO 78
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Em todo o processo que se seguiu nenhuma das suas realizações foi oferecida ao povo português, nem
por salvadores, nem pelo poder político, nem pelos militares. Foram por ele conquistadas, reconhecidas pelo
MFA e consignadas pelos Deputados constituintes.
As liberdades de imprensa, de associação, de reunião, de manifestação; uma nova estrutura económica
liberta do poder dos monopólios, travando a sabotagem económica e conduzindo às nacionalizações de
sectores básicos e estratégicos, valorizando o papel das pequenas e médias empresas; conquistando a
reforma agrária, combatendo a ação dos latifundiários, desbravando terras incultas e desenvolvendo a
produção agrícola e pecuária nas terras do sul, criando emprego; conquistando, mais a norte, o direito ao uso
e a gestão dos baldios pelos povos; conquistando direitos laborais, sociais e culturais, liberdade sindical,
direito à greve, a não ser despedido sem justa causa, proteção na infância e na velhice, direito ao ensino, à
saúde, à proteção social, direito à igualdade das mulheres no trabalho, na família e na sociedade, direitos da
juventude; conquistando o direito de decidir sobre os problemas das suas terras e o seu desenvolvimento,
concretizado no reconhecimento do poder local democrático.
Conquistas que acabaram por ser consagradas na Constituição aprovada por uma Assembleia
Constituinte, ela, em si mesma, expressão plural da conquista do direito de votar, de eleger e ser eleito.
Não, não foi uma Revolução perfeita ou produto de uma experiência laboratorial, mas muito menos foi um
ato e um processo em que fosse preciso mudar alguma coisa para ficar tudo na mesma. Não se esperava que
os poderosos, a classe dominante desapossada do poder, assistisse passivamente ao processo de
transformação que punha em causa os seus interesses e privilégios.
Foi uma Revolução onde os trabalhadores e o povo decidiram assumir o seu papel de obreiros,
construtores e donos do seu devir coletivo, materializando sonhos, aspirações e reivindicações, abrindo as
portas de um País encarcerado ao mundo, libertando outros povos que também lutavam para se libertarem do
jugo do colonialismo, cuja presença hoje, aqui, também saudamos, pondo fim à guerra e propondo a paz e a
cooperação entre os povos. E aos que querem reescrever a história lembramos que foi a Revolução de Abril, e
não outro processo, que abriu as portas de Portugal à Europa e ao mundo.
Comemorando, continuamos e continuaremos a dar combate à reescrita da História, à negação da
existência do fascismo, às falsas atribuições do papel de cada um na revolução e na contrarrevolução que se
seguiu.
Durante décadas, sucessivos Governos, exercendo o poder, executando a política direita que dura há 37
anos, recuperaram e restauraram de novo o poder do grande capital, submetendo o poder político ao poder
económico, rasgando ou engavetando compromissos assumidos com o povo e com a Constituição, com Abril.
Sim, é verdade que muitas das principais conquistas de Abril foram destruídas, que se assiste à
recuperação pelos novos e velhos senhores do capital das parcelas de domínio perdido com Abril, voltando a
amassar fortunas nuns poucos, agravando as injustiças, o aumento da exploração e do empobrecimento, a
dependência do estrangeiro.
Sobre o povo que se atreveu a resgatar a sua dignidade e o poder e a soberania que nele deve residir,
volta a classe dominante e os seus executantes a decretar a resignação e a submissão, não suportando a luta
nem os lutadores.
Sr.ª Presidente, aos que contemplam hoje a sua obra de destruição e fazem planos para muitas décadas
de austeridade e sofrimento, nós dizemos: o projeto de Abril inscreve-se ainda na Lei Fundamental. Os seus
valores continuam a ter validade e atualidade.
Do desenvolvimento económico, tendo como objetivo a melhoria da qualidade de vida das populações e o
pleno emprego, emanam os valores da justa e equilibrada distribuição da riqueza, da economia ao serviço das
pessoas e da justiça social.
Da reforma agrária e dos baldios emana o valor da terra a quem a trabalha e o ancestral valor comunitário
da terra; das nacionalizações emana o valor, a necessidade e a possibilidade de pôr fim ao poder dos
monopólios; dos direitos laborais emana o valor do trabalho e dos trabalhadores; do Estado para responder às
necessidades do País em oposição ao Estado que temos como instrumento de uns poucos, emana o valor do
Estado ao serviço do povo; da independência e soberania nacionais emana o valor do povo português decidir
do seu futuro e da sua Pátria.
Tais valores estão presentes na sociedade e na consciência, hoje abalada mas latente, que a Revolução
deu aos portugueses e nos direitos que resistem.