3 DE MAIO DE 2014
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A opção da direita não foi essa. A opção da direita foi a de amarrar o País ao pagamento de uma dívida e
de um défice, foi a de garantir aos mercados a certeza de que vamos sempre pagar a dívida,
independentemente do que acontecer. Pior, foi a de comprometer o País com um calendário de pagamentos
de dívida que sabem não ser possível — sabem que é matematicamente impossível cumprir os pagamentos
da dívida inscritos no tratado orçamental nos próximos 20 anos, sabem que a meta não é possível de cumprir.
Portanto, só há uma conclusão: precisam da ameaça, precisam da constante ameaça do défice, da
constante ameaça da dívida para poder continuar a cortar direitos e salários.
O DEO (Documento de Estratégia Orçamental) é essa ameaça traduzida numa estratégia orçamental. O
que o tratado orçamental diz é que toda a estratégia orçamental, daqui para a frente, vão ser sucessivos DEO,
sucessivos cortes, sem nenhuma reposição. Os cortes não são transitórios, porque a ideia que está traduzida
é reduzir ainda mais a despesa social para cumprir o tal défice zero para sempre, que não interessa a ninguém
a não ser aos mercados financeiros.
E não há nenhuma soberania nisto. Não há nenhuma soberania num País, numa democracia, num
Parlamento, num Governo que não pode decidir aquilo que entender porque está subjugado a uma regra de
um défice que apenas interessa aos mercados financeiros. Não há nenhum direito em democracias que
perderam o poder, perderam a capacidade para fazer aquilo que mais interessa ao povo para governarem em
nome dos mercados.
Basta ouvir este Governo a falar, basta ouvir as bancadas da maioria, dizendo: conseguimos agradar aos
mercados, conseguimos recuperar a confiança dos mercados, conseguimos que os mercados depositem
confiança em nós, conseguimos que os mercados gostem de nós.
Toda a governação é feita para os mercados, sem qualquer lugar às pessoas, sem qualquer lugar à
democracia.
O que aqui se apela não é ao contrário da sustentabilidade das finanças públicas. Vamos ter finanças
públicas sustentáveis, sim, e devemos tê-las, mas que não seja à custa dos direitos das pessoas, dos cortes e
da falta de democracia deste tratado orçamental, que é um tratado que nem sequer está instituído como
tratado orçamental, foi uma lei feita à volta da lei europeia, porque sabiam que era inaceitável para as
democracias europeias.
Este tratado orçamental entra em contradição com o modelo social europeu, com aquilo que assumimos
serem os nossos direitos e deveres democráticos.
Portanto, a proposta do Bloco de Esquerda só pode ser esta: queremos o tratado orçamental fora da nossa
lei orçamental. Sustentabilidade das finanças, sim, mas sem perda de democracia e de soberania.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Antes de dar a palavra ao próximo orador, devo informar a Câmara
que, relativamente ao ponto anterior da nossa ordem de trabalhos — projeto de lei n.º 593/XII (3.ª) e
apreciações parlamentares n.os
79/XII (3.ª) e 80/XII (3.ª) —, deram entrada na Mesa vários projetos de
resolução, do PCP, do PS e do BE, no sentido da cessação da vigência do Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20 de
março, os quais serão votados na próxima sessão em que haja votações regimentais.
Para apresentar o projeto de lei n.º 592/XII (3.ª), do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Sá.
O Sr. Paulo Sá (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O tratado orçamental, imposto pelo eixo franco-
alemão em nome dos grandes interesses económicos e financeiros europeus, tem como objetivo
institucionalizar o neoliberalismo como política única e oficial da União Europeia, criando um quadro de
constrangimento à assunção, pelos povos, de projetos de desenvolvimento próprios, autónomos e soberanos.
A ser concretizada a sua aplicação, o tratado orçamental reduziria, de forma inaceitável, a soberania
orçamental da Assembleia da República, prevista e salvaguardada na Constituição da República Portuguesa.
Este tratado, transposto há um ano para a ordem jurídica interna, através da lei de enquadramento
orçamental, com os votos do PS, do PSD e do CDS, submeteria Portugal e os portugueses, durante décadas,
à ditadura do défice e da dívida, impondo metas draconianas para o saldo orçamental estrutural e para a
evolução da dívida pública, que Portugal não está, objetivamente, em condições de cumprir.