I SÉRIE — NÚMERO 88
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A simples constatação da irregularidade de um vasto conjunto de situações, muitas das quais há décadas
em permanente conflito com comunidades locais e com a lei, não pode ser fundamento bastante para o
branqueamento de anos de infração.
A criação de um regime excecional não pode distorcer os dispositivos legais aplicáveis a atividades que se
revestem de um caráter de enorme sensibilidade, nem tão pouco alicerçar procedimentos de alteração de
instrumentos de gestão territorial a favor do prevaricador.
O princípio tem de ser a adequação do já edificado aos instrumentos de gestão territorial, às servidões
administrativas e às restrições de utilidade pública e não o contrário.
Sr. Secretário de Estado, Sr.as
e Srs. Deputados, mesmo tratando-se de uma autorização legislativa,
estamos disponíveis para aperfeiçoar e melhorar a iniciativa.
Mas, tal qual como está, e em face da ausência de estudos de custo/benefício ou de uma ponderação mais
vasta sobre as consequências da criação de um regime excecional para o superior interesse nacional, não
daremos o nosso aval a esta proposta de lei.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.ª e Sr. Secretários de Estado, Sr.as
e Srs.
Deputados: O Governo anunciou ao País e trouxe à Assembleia da República, exatamente com a mesma
mensagem, esta última oportunidade. Entendamo-nos: é mais uma última oportunidade antes da próxima. Já
se perdeu a conta, nas últimas duas décadas, ao número de «últimas oportunidades» que existiram! Tal como
governos anteriores, este Governo veio dizer que esta é mesma a última e esta é a melhor de todas as que já
existiram.
A primeira conclusão que poderemos tirar é a de que este é um teatro já visto e que, de facto, o que há
aqui é o benefício do infrator.
A mensagem que sairá daqui não é a de que esta é a última oportunidade, é a de que, de facto — e esta é
a mensagem do Governo —, o crime compensa.
Vejamos o que é que o Governo nos propõe, na prática. Diz-nos que vai premiar duas vezes diretamente o
infrator; uma primeira vez porque pode continuar a infringir durante um ano, pois, a partir do momento em que
entrega os papéis, pode continuar a sua atividade, durante um ano, até ver a situação avaliada.
Vai premiar uma segunda vez porque, durante esse mesmo ano de atividade, não haverá qualquer
ativação das contraordenações porque elas estão suspensas. É verdade que, no final desse ano, poderá vir a
pagar. Mas também não é menos verdade que, durante um ano, existe essa suspensão.
Vejamos o que é o Governo faz com esta alteração legislativa no âmbito de todos documentos de gestão
do território. O Governo diz que, durante um ano, ou até mais, os documentos de gestão do território passaram
a ser «queijos suíços» porque quer a RAN (Reserva Agrícola Nacional), quer a REN (Reserva Ecológica
Nacional), quer a Rede Natura 2000 quer os PDM (planos diretores municipais) ficarão em suspenso, sob a
alçada desta alteração legislativa.
Ora, esta realidade, esta última oportunidade, na prática, é mais uma oportunidade para continuar a infringir
os documentos de gestão territorial. Mas estes instrumentos — e esta outra vertente importante — são agora
tão desvalorizados que nem para a análise do impacte ambiental passarão a ser considerados. Entenda-se: o
que diz a lei é que uma exploração, uma atividade que decorra ilegalmente, que seja sujeita a avaliação de
impacte ambiental, se estiver no âmbito de uma RAN, de uma REN ou da Rede Natura 2000, não deverá, por
este motivo, ter uma avaliação ou análise diferenciada face a uma outra atividade ou exploração, também
ilegal.
Ora, esta realidade demonstra que o Governo não tem sequer uma valorização na avaliação do que
significam estes instrumentos de gestão integrada, que deveriam ser valorizados.
Há ainda uma ideia que creio ser relevantíssima. Poderemos todos perceber o impacto, quer positivo quer
negativo, de explorações que estão a funcionar há décadas e perceber que houvesse uma pressão adicional
para resolver problemas. Mas o que o Governo nos diz é que esta legislação vai aplicar-se a quem tenha uma