I SÉRIE — NÚMERO 105
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Constituição), bem como da violação do princípio da proibição do excesso, em termos de igualdade
proporcional, consagrado no artigo 13.º.
Recordamos que esta proposta de lei propõe a manutenção, pelo quarto ano consecutivo e para mais
quatro anos, dos cortes nas remunerações, pelo que o efeito da acumulação de múltiplos cortes, em anos
sucessivos, coloca em causa a possibilidade de encarar estas medidas como transitórias, excecionais,
indispensáveis e insubstituíveis para obter efeitos imediatos na redução/contenção do défice das contas
públicas.
Estas medidas são já assumidas de forma expressa, nesta proposta de lei, como medidas definitivas com o
objetivo de impor uma redução substancial dos níveis de rendimentos dos trabalhadores públicos, que a
exposição de motivos desta proposta de lei caracteriza como um verdeiro problema para as contas públicas
que urge conter.
As decisões do Tribunal Constitucional produzidas em anos anteriores e que concluíram pela não
inconstitucionalidade dos cortes salariais impostos pelos Orçamentos do Estado de 2011, 2012 e 2013,
assentaram em circunstâncias muito concretas que já não se verificam em 2014.
Nesse mesmo sentido depõe a declaração de inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 33.º da Lei
do Orçamento do Estado para 2014, presente do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 413/2014.
A argumentação constitucional proferida no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 396/2011 e a respeito
dos cortes remuneratórios propostos pela primeira vez na Lei do Orçamento do Estado para 2011 assentava
no pressuposto de que a redução então imposta e que agora se pretende recuperar seria uma «medida idónea
para fazer face à situação de défice orçamental», dando como adquirido que «só a diminuição de vencimentos
garantia eficácia certa e imediata» para garantir «resultados a curto prazo» na consolidação orçamental. Por
não haver «razões de evidência em sentido contrário», o Tribunal considerou que a medida prevista para 2011
se incluía ainda «dentro dos limites do sacrifício» que a «transitoriedade e os montantes das reduções ainda
salvaguardavam».
No entanto, já no Orçamento do Estado para 2012 e a respeito do corte dos subsídios de férias e de Natal,
em conjugação com os cortes remuneratórios, o mesmo Tribunal, no Acórdão n.º 353/2012, considerou que o
efeito conjugado das medidas ultrapassa de forma evidente os «limites do sacrifício» a que aludia o Acórdão
n.º 396/2011.
Por sua vez, os cortes salariais impostos na Lei do Orçamento do Estado para 2014 obrigaram a um novo
juízo quanto à sua idoneidade ou adequação para atingir os fins visados, quanto à sua exigibilidade,
necessidade ou indispensabilidade e quanto à sua proporcionalidade em sentido estrito, vindo a ser declarada
a sua desconformidade constitucional.
Não é aceitável que os cortes salariais sejam considerados como uma medida indispensável para a
redução do défice das contas públicas quando se prevê que os encargos públicos com parcerias público-
privadas são agravados em 800 milhões de euros, quando mais 1045 milhões de euros em benefícios fiscais
não são sequer declarados, e, entre tantas outras medidas que beneficiam os rendimentos de capital, se
preveja uma revisão do regime legal do IRC por forma a desagravar significativamente a carga fiscal sobre as
grandes empresas, com a consequente perda de receita pública. Isto é, o Governo, no desrespeito pelas
decisões do Tribunal Constitucional, insiste na penalização dos rendimentos do trabalho e isenta dos
sacrifícios e até beneficia os rendimentos de capital.
É, ainda, importante não esquecer que os trabalhadores em funções públicas têm sido os principais
destinatários das medidas de austeridade, desde 2011 e até ao presente, assumindo estas medidas um
carácter persecutório: cortes salariais em 2011, 2012 e 2013; cortes de subsídios de férias e de Natal em
2012; aumento da carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho, com a redução de escalões, aumento de
taxas, supressão de escalões, eliminação de deduções e imposição de sobretaxa de 3,5% em sede de IRS;
aumento do IVA e do IMI; congelamento de salários desde há muitos anos; proibição de promoções e de
progressões, redução de ajudas de custo e de remuneração por trabalho suplementar; aumento do horário de
trabalho para 40 horas semanais; aumento de 3.5 pontos percentuais nos descontos para a ADSE.
Mas, sobretudo, é manifesto que a excecionalidade e transitoriedade, tão badalada por este Governo e na
qual se fundou a não declaração de inconstitucionalidade do Acórdão n.º 396/2011, apenas serviu de mera
desculpa e de mero artificio. Se, efetivamente, a anualidade das normas inscritas em Orçamento de Estado e
a sujeição ao PAEF foram os fundamentos que justificaram o caracter excecional e transitório, desaparecendo