I SÉRIE — NÚMERO 105
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que esta violação dos direitos dos pensionistas é, ao contrário do que o Governo afirma, uma injusta opção
política e, portanto, condenável.
Esquiva-se da sua própria responsabilidade, colocando-a nos portugueses, porque estes vivem mais anos
e têm menos filhos, afirmando que o sistema de segurança social solidária é insustentável tal como está
desenhado devido a fatores como a diminuição da natalidade e aumento da esperança média de vida. De
facto, só para este Governo é que o aumento da esperança média de vida, tido como fator de desenvolvimento
e progresso, pode ser considerado como um revés e um problema.
Ao mesmo tempo e curiosamente, fatores como o desemprego, que atinge aproximadamente 1 500 000
trabalhadores, juntamente com os baixos salários, que têm efetivo impacto, para o Governo nada têm que ver
com a sustentabilidade do sistema de segurança social.
A presente proposta de lei altera o figurino da CES, em especial mudando a designação para contribuição
de sustentabilidade, mas todas as considerações tecidas, em vários momentos e por diversas formas, sobre a
sua inconstitucionalidade mantêm-se profundamente atuais e reforçam-se sobretudo se atendermos ao
desaparecimento dos pretensos fundamentos da sua excecionalidade e transitoriedade e sua atual conceção
como verdadeira medida definitiva e de redução permanente das pensões.
Recordamos que, bem recentemente (há cerca de quatro meses), o Governo avançava, na discussão da
Lei n.º 13/2014, de 14 de março, que procede à primeira alteração à Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro
(Orçamento do Estado para 2014) e que procedeu à reformulação da CES, alargando a sua base de
incidência e revendo as suas percentagens, motivos relacionados com a «sustentabilidade e funcionamento do
próprio Estado», bem como a «ameaça de rutura do sistema previdencial (…) num contexto de emergência
social e económica», colocando ainda a necessidade de «satisfação dos compromissos assumidos pelo
próprio Estado», referindo-se ao PAEF.
De todo o modo, foi entregue no Tribunal Constitucional o pedido de fiscalização abstrata sucessiva da
constitucionalidade desta norma, estando pendente de decisão pelo Tribunal. Este Governo, de forma ímpia,
insiste no seu confronto com a Constituição, apesar de ter vindo a sair derrotado.
Relativamente à temática das pensões, o Tribunal Constitucional, no seu mais recente Acórdão sobre a
matéria (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 862/2013), afirmou que caberia ao legislador ordinário «em
função das disponibilidades financeiras e das margens de avaliação e opções políticas decorrentes do
princípio democrático, modelar especificamente esses elementos de conteúdo das pensões», não sendo
negado ao Estado a sua margem de discricionariedade na conformação deste direito.
No entanto, a partir do momento em que o legislador ordinário fixou, com elevado grau de precisão e
certeza, o conteúdo desse direito, este passa a assumir-se na ordem jurídica como plenamente densificado e
definitivo, conferindo-lhe o estatuto de direito materialmente constitucional — a partir do momento em que o
sujeito se torna titular do direito à pensão, este entra na sua esfera jurídica «com a natureza de um verdadeiro
direito subjetivo, um ‘direito adquirido’ que pode ser exigido nos termos exatos em que foi reconhecido»
(Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 862/2013).
Quanto às expectativas dos pensionistas na continuidade do quadro normativo, elemento determinante
para a consideração da inconstitucionalidade, estas são especialmente intensas, na medida em que são
expectativas que se alicerçaram com o decurso do tempo e com a sucessiva entrega de contribuições,
apoiando-se em atividades e atitudes incentivadoras do próprio Estado, através do cumprimento, pelos
particulares, da obrigação contributiva.
Os sujeitos a quem se dirige a presente norma fizeram planos de vida com base na expectativa de
continuidade do pagamento da pensão a que têm direito, mesmo que esses planos de vida, em concreto,
apenas se traduzissem na sobrevivência e na manutenção de uma existência condigna.
Chama-se, assim, a atenção para o facto de as despesas que, pela natureza das circunstâncias, são
inerentes à velhice e se traduzem em necessidades específicas e em cuidados de saúde imprescindíveis, se
somarem às necessidades básicas de sobrevivência, todas elas incidindo sobre uma única fonte de
rendimento — a pensão.
Esta contribuição de sustentabilidade, que materializa uma redução definitiva e permanente nos montantes
de pensão superiores a 1 000 euros, tem impactos significativos na capacidade do titular de uma pensão, em
especial quando estiverem em causa pensões de valor mais reduzido, poder desenvolver práticas vivenciais