I SÉRIE — NÚMERO 2
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A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): — Sr.a Presidente, Sr.
as Deputadas, Srs. Deputados: Celebrou-se, no
início desta semana, o 35.º aniversário do Serviço Nacional de Saúde.
Recorrentemente avaliado como a melhor realização do Portugal de Abril, o SNS pode ser considerado o
nosso «vínculo comum».
O seu enquadramento conceptual e a sua operacionalização são autênticas traves-mestras da sustentação
do valor da liberdade e da construção prática do conceito da dignidade de todos os seres humanos: dignidade
indissociável, inerente à condição humana; dignidade igual para todos os seres humanos; dignidade enquanto
valor, do qual derivam todos os direitos básicos pré-existentes e, portanto, não atribuídos por quem detém a
autoridade, não detendo esta, consequentemente, legitimidade para os retirar.
Sendo património do Portugal democrático, o SNS é património valioso do Partido Socialista.
Criado por António Arnaut, fundador do PS, o SNS, no seu desenho constitucional de universalidade,
generalidade e financiamento solidário, deve-se à tenacidade, à coragem, à sensibilidade e ao desassombro
de António Arnaut, justamente homenageado nas várias cerimónias de celebração de aniversário, realizadas
na segunda-feira passada:…
Aplausos do PS.
… a oficial, promovida pelo Governo, a promovida na sede do Partido Socialista e a organizada pela Ordem
dos Médicos, em Coimbra.
Grandes foram os progressos em termos de indicadores de saúde, que nos orgulham. Lidando o Serviço
Nacional de Saúde com o primeiro de todos os direitos, o direito à vida, devemos satisfazer-nos com tudo o
que conseguimos fazer de bom, mas temos que nos sentir fortemente interpelados por tudo aquilo que não
fizemos e deveríamos ter feito, por tudo aquilo que fizemos mal e por tudo aquilo que falta fazer no sentido de
mais progresso.
Nenhum outro setor da governação sofre tanto o impacto do que corre mal noutras áreas: mais pobreza
significa mais doença e mais doença significa mais pobreza; menos habilitação escolar ou académica, mais
doença; mais desemprego, mais doença; mais insuficiência financeira para solver compromissos, mais
doença; mais discriminação negativa, mais doença.
Aplausos do PS.
Por isso, a questão das desigualdades, na sua tradução mais cruel, em sofrimento e em morte, é aqui
crucial.
Em época de grande domínio de correntes ideológicas que subvertem a ordem social e o seu
desenvolvimento harmonioso, subordinando as pessoas às coisas, as crescentes desigualdades induzidas
pelo culto da austeridade como redenção, são incompatíveis com a filosofia humanista de um sistema de
saúde de base solidária, em que a missão principal e primeira é a de garantir que na saúde ou na doença,
sejamos ricos ou pobres, homens ou mulheres, analfabetos ou letrados, brancos ou negros, somos todos
tratados da mesma maneira em termos de acesso e qualidade de cuidados.
Por isso é que a intervenção em todos os aspetos dos cuidados de saúde e das determinantes da saúde
exige a incorporação de uma cultura ética de busca da equidade e do respeito pelos direitos humanos,
construtora da coesão social.
A vida é um desafio permanente, individual e coletivo. À medida que evolui a civilização humana, o
aumento da nossa exigência deve ir a par com o aumento da nossa responsabilidade.
Por isso, os grandes desafios que se colocam hoje aos sistemas de saúde e que se centram na
acessibilidade, na qualidade, na eficiência, na justa afetação de recursos e na sustentabilidade devem ser
enfrentados com inteligência, com cooperação e com sensibilidade.
O combate ao desperdício e à fraude são funções inalienáveis do Estado soberano, que devem contar com
o envolvimento cidadão de todos os agentes mas não podem ser conflituantes com a missão do sistema e
com a humanização que lhe deve ser intrínseca.