I SÉRIE — NÚMERO 58
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humanos no nosso País insiste na denúncia do excesso de força utilizada por parte da polícia e na
discriminação de comunidades, como a cigana, desde as demolições prepotentes da Vidigueira à turma
especial de crianças ciganas.
Em 2012, um relatório da ONU concluía, depois de visita de peritos ao País em 2011, e depois de um
trabalho apurado com todas as entidades responsáveis, que as pessoas de origem africana que vivem em
Portugal estão sub-representadas nos processos de tomada de decisão, não têm igualdade de acesso à
educação, aos serviços públicos e ao emprego, são discriminadas no sistema de justiça, são vítimas de
discriminação racial e de violência pela polícia, e que nem os dados sobre as diferentes minorias étnico-
culturais são suficientes para as conhecer verdadeiramente. Mas no País dos «brandos costumes», onde o
racismo é, tantas vezes, subtil, às vezes as coisas explodem e deixam de ser assim tão subtis!
Nos últimos tempos, os exemplos têm-se multiplicado, desde o Casal da Boba na Amadora, à Quinta do
Mocho em Sacavém, passando por Setúbal ou pela crueza da intervenção da polícia nas demolições do bairro
Santa Filomena.
A 5 de fevereiro, na Cova da Moura, cinco jovens denunciaram a violência e a xenofobia das forças de
segurança. A Associação Moinho da Juventude, da Cova da Moura, que é adepta da comunicação não
violenta, tem um levantamento exaustivo de todos os esforços que tem feito desde 2012 para evitar que as
coisas sejam assim!
Fizeram reuniões com as forças de segurança e com os comerciantes, envolveram-se em projetos com a
Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, apoiam os seus jovens no dia a dia, os textos que
produzem reconhecem que a polícia tem de fazer o seu trabalho, e falam de policiamento de proximidade; mas
os relatos de abuso de força e de racismo multiplicaram-se e têm de conviver, diariamente, com o Corpo de
Intervenção Rápida da PSP.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Uma vergonha!
A Sr.ª Cecília Honório (BE): — As jovens e os jovens que se sentaram connosco à mesa na Sala do
Senado em audição pública que promovemos no passado dia 24 falaram dos esforços e da ausência dos
resultados e deram voz às suas vítimas.
Flávio Almada foi um dos jovens agredidos na esquadra de Alfragide. Deu nota dessa «suspensão do
Estado de direito» que se vive nos bairros e falou da banalidade do ódio racista, falando, inclusivamente, do
discurso de alguns agentes de segurança. E cito mais uma vez: «Nós, os pretos, temos de morrer».
Outras vozes aqui se juntaram, casos de mulheres com crianças e idosos, agredidos ou ameaçados,
falaram da banalidade do medo da polícia, desse estigma que, ainda hoje, é ser-se um português não branco,
mesmo se não se cresceu num bairro pobre! Falaram-nos dos despejos, sem alternativa, aqui tão perto. Quero
recordar os casos da Amadora! Se moram em «bairros complicados» são todos potenciais suspeitos.
Sabemos bem, Sr.as
e Srs. Deputados, que a intervenção policial é apenas uma parte do problema.
Durante décadas, governos e autarquias, na ausência de políticas sociais de habitação ou na presença delas,
mas com perfil segregador, enfiaram estas comunidades nas bordas dos concelhos das grandes metrópoles,
e, às vezes, até pintaram de cores diferentes os bairros para distinguir muito bem africanos e ciganos. Sempre
à espera que nada acontecesse! O que correu bem — o que correu bem, insista-se — dependeu, quase
sempre, do voluntarismo de uns e de outros, como o da associação de jovens do Moinho da Juventude, que
ainda não desistiu.
Mas a violência e o racismo podem ser ensurdecedores: para Portugal, que foi eleito membro do Conselho
de Direitos Humanos da ONU para o biénio 2015/2017, com uma votação recorde, é bom lembrar, estes
exemplos só nos podem envergonhar.
O Bloco de Esquerda apresentará um conjunto de iniciativas legislativas para responder, de forma mais
decidida, ao racismo também no quadro penal.
Ao contrário do que acontece em tantos e tantos países europeus, um debate que foi recentemente
reavivado com um incidente ocorrido no metro de Paris com adeptos de futebol de um clube britânico, o
racismo não está ainda tipificado como um crime autónomo em Portugal.
Importa ainda, do nosso ponto de vista, avaliar o comportamento das forças de segurança e reforçar, em
conjugação com as comunidades, o policiamento de proximidade.