7 DE MARÇO DE 2015
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Aquelas que implicam o confisco por decisão administrativa, mesmo sem prova provada da prática de
ilícitos criminais.
Aquelas que, no seu radicalismo, entram em contradição consigo mesmas ao, por exemplo, estipularem
que a aquisição de um bem, pouco acima de 30 000 €, face a um rendimento de 25 000, faz incorrer o agente,
qualquer pessoa, portanto, na imediata presunção de enriquecimento injustificado e, consequentemente, é
alvo de avaliação fiscal, mas, pasme-se, sendo o rendimento inferior a esse montante e a aquisição
largamente superior, então, contraditoriamente, tudo pode acontecer sem qualquer dever de avaliação.
Aquelas orientações que, desistindo de exigir a identificação de um concreto tipo criminal relativo às várias
formas de enriquecimento ilícito, constroem um bem jurídico meramente formal e com natureza ideológica, que
identificam com designados, cito, «interesses fundamentais do Estado e da vida comunitária». Para quê? Para
assim intentarem criminalizar situações e comportamentos, independentemente da prova de enriquecimento
ilícito e da formação da culpa conexa, na verdade, limitando-se a um simples juízo de perigo abstrato.
Mas, como já disse o Conselho Superior da Magistratura na Assembleia da República, a transparência não
é um bem jurídico em si, é um instrumento para a realização de outros bens jurídicos.
O Sr. José Magalhães (PS): — Muito bem!
O Sr. Jorge Lacão (PS): — Por isso, a natureza ideológica, tal como estabelecida, de um bem jurídico
fabricado de modo grosseiramente proclamatório e difuso — ladainha, como lhe chamava, há pouco, o Sr.
Deputado António Filipe —, é, por isso, desmerecedor de tutela penal constitucionalmente protegida,
compromete irremediavelmente as conceções tributárias do iluminismo liberal e racionalista a que até há
pouco, em democracia, a direita tinha sabido ser fiel. Se, como se apresenta agora, o projeto do PSD e do
CDS se fizesse lei, os critérios de valor constitucional da necessidade, da adequação e da proporcionalidade e
os princípios da subsidiariedade e da proibição do excesso em direito penal passariam a letra morta. Que
repúdio deste atentado a princípios basilares do Estado de direito não haveria de exprimir homens como Sá
Carneiro, Menéres Pimentel ou Mário Raposo, a cuja memória aqui me inclino.
O Sr. José Magalhães (PS): — Muito bem!
O Sr. Jorge Lacão (PS): — E, a propósito, meditemos no que lapidarmente diz o Professor Jorge
Figueiredo Dias, no seu Manual de Direito Penal, e cito: «Deve manter-se a recusa de qualquer conceção
penal baseada na extensão da criminalização, que transforme o direito penal em instrumento diário de governo
da sociedade e em motor ou propulsor de fins de pura política estadual».
E diz mais o Professor: «que a eficiência descarnada…» — e a expressão é sua — «… do direito penal não
pode constituir base de legitimação democrática».
E outra, acrescento, não pode, pois, ser a conclusão aplicável a uma tentativa de criar um ilícito criminal
relativo a acréscimos patrimoniais sem cuidar de exigir a identificação das formas de aquisição ilícita desses
acréscimos. Trata-se, nos seus termos, da própria confissão do fracasso, e, portanto, da evidência da
instrumentalização do direito penal como arma de arremesso ao serviço de meros fins populistas de afirmação
fácil do combate político.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): — Muito bem!
O Sr. Jorge Lacão (PS): — Por isso, pergunto a todas as Sr.as
e todos os Srs. Deputados, sabendo que,
no catálogo dos crimes legalmente previstos, já figuram condutas censuráveis que vão da corrupção ao
peculato, do tráfico de capitais ao tráfico de influências, da fraude fiscal à participação económica em negócio,
para só citar alguns de entre outros crimes igualmente graves, pergunta-se se será legitimo submeter toda a
sociedade a um novo tipo criminal em que, face à categoria de criminalidade altamente organizada que lhe é
estabelecido, todo e qualquer cidadão, independentemente da suspeita em relação a concretas atividades
delituosas, face a indiciada desconformidade de rendimentos e bens, possa ser submetido — repare-se bem
— a procedimentos de investigação e prevenção, antes, sequer, da abertura formal de inquérito e da
constituição de arguido e, portanto, sem prazo, com procedimentos que, além de incluírem a quebra do sigilo