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I SÉRIE — NÚMERO 59

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Quer-nos parecer, designadamente, que o projeto do Partido Socialista significa um regime mais agravado,

se se quiser, da declaração de rendimentos de titulares de cargos políticos, que já existe hoje. Relativamente

ao projeto do PSD, pensamos que falta um aspeto, que é o da obrigação de declaração, a qual não é explícita

e deveria haver uma explícita obrigação de declaração a partir da qual fosse aferível o enriquecimento

injustificado, e também nos parece que se justifica um maior aperfeiçoamento quanto à precisão do bem

jurídico-penal a proteger. Parece-nos que a formulação encontrada pelo PSD não responde inteiramente às

questões suscitadas pelo Tribunal Constitucional.

Mas essas são questões que podemos e devemos dirimir na especialidade. Fazemos votos para que, mais

cedo do que tarde, esta Legislatura aprove a criminalização do enriquecimento injustificado, porque seria um

passo muito significativo e de muito valor no combate à corrupção, que é um combate que muito preocupa os

portugueses.

A impunidade do enriquecimento injustificado é, de facto, algo que falta na nossa ordem jurídica, que é

sentido pela generalidade dos nossos concidadãos e a Assembleia da República tem o dever de corresponder

a essa preocupação, aprovando a legislação pertinente.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: — Para apresentar o projeto de lei do PSD e do CDS-PP, tem a palavra a Sr.ª Deputada

Teresa Leal Coelho.

A Sr.ª Teresa Leal Coelho (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as

Deputadas e Srs. Deputados: «Quem adquira,

possua, utilize, converta ou transmita bens sabendo que estes têm a sua origem numa atividade criminal,

cometida por ele ou por qualquer terceira pessoa, ou realize qualquer outro ato para ou encobrir a sua origem

ilícita, ou ajudar uma pessoa que haja participado na infração ou infrações a iludir as consequências legais dos

seus atos, será punido com pena de prisão de seis meses a um ano e multa até ao triplo do valor dos bens.

Nestes casos, o tribunal, atendendo à gravidade dos factos e às circunstâncias pessoais do delinquente,

poderá impor também a pena de inabilitação especial para o exercício da sua profissão ou indústria pelo

tempo de um a três anos».

Sr.ª Presidente, Sr.as

Deputadas e Srs. Deputados: Acabei de ler um trecho do artigo 301.º do Código Penal

espanhol.

«O facto de não poder justificar os recursos correspondentes ao seu modo de vida ou de não poder

justificar a origem de um bem detido, estando em relação direta com uma ou várias pessoas envolvidas na

prática de crimes (…) é punido com uma pena de três anos de prisão e de 75 000 € de multa» — li agora um

trecho do artigo 321-6, que pune o enriquecimento injustificado em França.

Com a leitura destes trechos de normas estrangeiras, pretendo deixar claro, neste Parlamento, que o mito

de que os nossos parceiros europeus não detêm instrumentos jurídico-penais respeitantes à criminalização do

enriquecimento ilícito ou injustificado não passa de um mero mito que tem vindo a ser repetido à exaustão,

mas que não corresponde à realidade dos factos nem se torna verdade pela repetição constante.

Em ambos os casos que referi, Espanha e França, e poderíamos fazer o percurso pela Bélgica e por outros

Estados do nosso paradigma de direitos humanos, o legislador introduziu ferramentas de combate à

criminalidade que passam por constituir crime punível com pena de prisão a fruição de bens de um delito

prévio, sem que a punição dependa da prévia condenação pelo crime base do enriquecimento.

Repito, em ambos os casos, nos ordenamentos jurídicos espanhol e francês, da nossa matriz de direitos

humanos, aquilo que o legislador entendeu introduzir no foro do direito penal foi, precisamente, um crime

punível com pena de prisão, decorrente da fruição de bens de origem ilícita, sem que o prévio delito tenha de

ser identificado ou sirva de base à condenação e à aplicação de uma pena.

Espero que este mito de que a criminalização do enriquecimento ilícito ou do enriquecimento injustificado e

de que a presunção da inocência tem nos nossos parceiros europeus um caráter absoluto, possa seguir o seu

percurso doutrinário em Portugal, tal como seguiu noutros Estados-membros da União Europeia e do

Conselho da Europa e também da Organização das Nações Unidas.

As normas que citei, do Código Penal espanhol e do Código Penal, francês foram introduzidas ou

modificadas, no caso da França, respetivamente, em 2003 e 2006. Foi um longo percurso, desde 1981, que a