7 DE MARÇO DE 2015
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doutrina e a jurisprudência dos nossos parceiros europeus trilharam, no sentido de admitir restrições à
presunção de inocência, sempre que outros valores igualmente atendíveis estejam em causa.
Sem prejuízo da especial proteção que os ordenamentos jurídicos da nossa matriz de Estado de direito
democrático e de economia de mercado devem garantir à formação, aquisição, manutenção e transmissão do
património, simultaneamente, devem assegurar condições de correta formação do património, punindo,
através de sanções penais, a formação e a fruição de património irregularmente constituído. Só há proteção da
aquisição do património e da fruição do património, tal como a nossa matriz do direito à propriedade privada
sustenta, se a proteção for feita, em simultâneo, pela via penal, contra aquisições e fruições irregulares do
património.
É nossa convicção de que as circunstâncias em que o património de alguém ou a fruição continuada de
património manifestamente incompatível perante os rendimentos e os bens declarados ou a declarar é objeto
de um juízo de forte censura social, como já foi aqui referido pelos Deputados que me antecederam.
Este comportamento constitui uma perturbação grave à ordem social e à proteção das condições sociais e
económicas e atenta contra interesses fundamentais do Estado. Trata-se de um comportamento desviante da
ordem jurídica instituída.
Este juízo é tão mais evidente num contexto em que uma grave crise financeira afetou as economias
nacional e internacional, nomeadamente no que respeita à preservação dos recursos financeiros e
económicos necessários ao desenvolvimento humano, social e económico, à confiança nas instituições, à
salvaguarda da convivência pacífica da sociedade, à transparência e à probidade, bem como à credibilidade
no mercado nacional, à equidade, à livre concorrência e à igualdade de oportunidades — valores que
constituem o núcleo essencial dos interesses fundamentais do Estado e da vida comunitária.
Sr.ª Presidente, Sr.as
Deputadas e Srs. Deputados: Com um olhar objetivo sobre a sociedade portuguesa,
há uma forte perceção da evidência de que alguns, nas últimas décadas, se apropriaram de recursos
indispensáveis à promoção do progresso. Isto mesmo acabou de ser também referido pelos Deputados que
me antecederam e é um juízo de vox populi.
A sociedade portuguesa, nas últimas décadas, gerou ricos a quem se deve exigir que prestem contas, sem
receios nem subterfúgios e sem medo de ofender os mais privilegiados ou os mais dominantes.
É neste enquadramento que defendemos, desde há mais de uma década, o juízo de política criminal de
criminalizar o enriquecimento ilícito, injustificado ou desproporcionado, como lhe queiram chamar, com o
objetivo de alargar as ferramentas de investigação e combate à corrupção e, por outro lado, com o objetivo de
impor um elevado nível de escrutínio sobre a obtenção e fruição de património, nos casos em que há fortes
indícios de que não foi corretamente formado.
É hoje incontroverso que a disparidade manifesta entre os rendimentos e o património representa uma
grave disfunção social.
Deve, por isso, a política legislativa criminal fazer corresponder a este juízo de censura um tipo de crime,
adequado à prevenção e à repressão dos comportamentos atentatórios dos valores da transparência e da
probidade, bem como desviantes do desenvolvimento económico, social e humano, preservando,
simultaneamente, os princípios conformadores do Estado de direito democrático, a par da garantia da
operacionalidade do instrumento jurídico, da ferramenta de combate à criminalidade e à corrupção.
Sr.ª Presidente, Sr.as
Deputadas e Srs. Deputados: Não descuramos a necessidade de dar resposta às
questões de inconstitucionalidade pronunciadas pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, vertida no
douto Acórdão n.º 179/2012, razão pela qual, no âmbito do projeto de lei n.º 798/XII, que apresentamos
conjuntamente com o Grupo Parlamentar do CDS-PP, promovemos uma mais detalhada identificação dos
bens jurídicos tutelados, bem como caracterizamos com maior precisão o comportamento censurado e
garantimos que a prova dos elementos do crime compete exclusivamente ao Ministério Público.
Por outro lado, considerando que a formação ou fruição irregular de património deve ser particularmente
sancionada no que respeita a quem tem especiais deveres de transparência e probidade, propomos que, para
titulares de cargos políticos ou de alto cargo público, o valor da incompatibilidade relevante para efeitos de
criminalização conte a partir de uma discrepância superior a 100 salários mínimos (cerca de 50 000 €) e que,
para estes, a pena seja especialmente agravada a partir da discrepância acima de 350 salários mínimos
(cerca de 175 000 €), subindo o valor da incompatibilidade relevante para efeitos de criminalização de