4 DE ABRIL DE 2015
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O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: O Sr. Deputado José Magalhães já
percebeu que, neste debate, todos os oradores se referem em primeiro lugar à parte boa da iniciativa
legislativa e, na segunda parte, vão à parte má. Eu não serei exceção.
Portanto, começaria por dizer que, de facto, o princípio geral subjacente à iniciativa, o princípio da
transparência, é um princípio estimável e creio que estimado por todos e que, aliás, tem tido uma evolução
legislativa muito interessante, como o Sr. Deputado bem referiu, desde a revisão constitucional de 1989 e a lei
de acesso aos documentos administrativos de 1993, que é, de facto, um acontecimento legislativo muito
relevante no nosso País.
O segundo aspeto de concordância é o de que esta discussão não deve ser crispada. Aí devo dizer que o
Sr. Deputado não deu grande contributo ao dizer que temos, de um lado a luz, a transparência, a CADA, e, do
outro lado, a escuridão, a sombra, a CNPD.
De facto, não é assim. O que acontece é que há direitos fundamentais que têm de ser conciliados e,
portanto, naturalmente que o direito dos cidadãos à transparência e o dever da Administração Pública de
transparência têm de ser conciliados com os direitos fundamentais dos cidadãos à privacidade,
designadamente no que se refere aos respetivos documentos nominativos. Isso tem de ser conciliado e não
pode deixar de o ser.
Ora bem, o que acontece é que, na extensão com que o projeto de lei do Partido Socialista concebe a
disponibilização de informação por parte da Administração através da Internet, num portal público, do nosso
ponto de vista, ele é suscetível de invadir a privacidade dos cidadãos que interagem com a Administração. Isto
porque não podemos conceber a ideia de a Administração Pública estar de um lado e os cidadãos do outro. O
que acontece não é isso! O que acontece é que há uma interação natural entre a Administração Pública e os
cidadãos e, portanto, toda a informação aqui disponibilizada será suscetível de invadir elementos, informações
de caráter nominativo que não têm de ser publicamente acessíveis e cuja acessibilidade deve ser mediada,
efetivamente, pela CADA. Aliás, foi para isso que ela foi criada, ou seja, para resolver problemas de
compatibilização entre o dever de transparência e o direito de privacidade que alguns cidadãos terão em
determinadas circunstâncias.
De facto, esta iniciativa legislativa, de certa forma, escaqueirava, desequilibrava, obviamente, esta
conciliação a favor de uma substituição do princípio da transparência, de um exagero em matéria do exercício
da transparência que se podia confundir, como muito bem disse a Sr.ª Deputada Cecília Honório, há pouco,
como algum voyeurismo relativamente aos documentos na posse da Administração.
Alguns exemplos desse excesso têm a ver, por exemplo, com a obrigatoriedade de publicitação de
trabalhos preparatórios. O Sr. Deputado imagine o que isso representaria relativamente ao labor dos grupos
parlamentares. O Sr. Deputado tinha uma ideia, elaborava um documento preparatório para um possível
projeto de lei do Partido Socialista, apresentava-o aos seus pares e os seus pares diziam: «Ó José
Magalhães, veja lá, isto não pode ser bem assim…», mas já estava na Internet, porque era um trabalho
preparatório. Provavelmente, o Sr. Deputado teria sido o primeiro a colocá-lo na Internet, mas isso era
problema seu. Agora, independentemente da sua vontade, que fosse obrigatório o Grupo Parlamentar do
Partido Socialista disponibilizar no site da Assembleia da República um rascunho do Sr. Deputado José
Magalhães só porque ele foi feito é um exagero, de facto. É um exagero!
O Sr. José Magalhães (PS): — Pior ainda!
O Sr. António Filipe (PCP): — E, portanto, há aqui necessidade de ponderar o elenco, fundamentalmente
o elenco. É isso que está em causa.
Queria referir uma última questão, Sr.ª Presidente, e já estou a ultrapassar largamente o tempo. Este
elenco alteraria fundamentalmente o papel da CADA, ou seja, a Comissão de Acesso aos Documentos
Administrativos deixaria de ter problemas para resolver relativamente à acessibilidade a documentos, porque
eles estavam todos acessíveis, e passaria apenas a ser uma espécie de provedor do internauta. Ou seja,
limitava-se a ver se o elenco estava completo ou não, porque o problema do acesso dos cidadãos aos
documentos administrativos estava resolvido, porque estava tudo na Internet.
Sr. Deputado, é, de facto, excessivo. Esta iniciativa precisa de ser calibrada e para isso a baixa do projeto
de lei à Comissão é algo que saudamos.