27 DE ABRIL DE 2015
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Aplausos de Os Verdes, do PCP e do BE.
A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Bloco de Esquerda, tem a
palavra o Sr. Deputado Pedro Filipe Soares.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Sr. Presidente da República, Sr.a Presidente da Assembleia da
República, Srs. Presidentes do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Primeiro-Ministro
e demais Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Convidados, Minhas Senhoras e Meus
Senhores:
Nessa madrugada do dia 25 de Abril de 1974, em que os capitães saíram à rua pela liberdade, eu ainda
não era nascido. Eu e tantas e tantos somos filhos da Revolução. Para nós, a liberdade foi sempre tão natural
como o respirar, e o único regime que conhecemos é o democrático. E por ser tão natural, valorizamos mais
essa conquista e aqueles que a fizeram. Esse abalo redentor mostrou a força de um povo, que de um golpe
militar, fez uma revolução. Mostrou como o futuro se fez presente e bebeu de um trago a liberdade. A
liberdade de expressão, o direito à manifestação ou de associação foram num ápice forjados nas ruas, muito
antes de chegarem a ser leis.
Hoje, comemoramos esse momento fundamental e os 40 anos da Assembleia Constituinte que lhe está
umbilicalmente ligada. Esse processo constituinte foi exemplar: tão vivo, controverso, radical no seu debate e
na sede de participação, que foi um hino à democracia. Esses momentos fortes e processos tão marcantes
não podem ser transformados em salamaleques, não se esgotam nos protocolos, nas marchas pomposas,
nem se apoucam com os que se envergonham com os cravos. Eles não ficam acantonados na História,
porque fazem parte da vida e da identidade do País. E os homens e as mulheres que os protagonizaram
venceram uma ditadura brutal e sanguinária, que perseguia quem tinha opinião, torturava quem sonhava a
liberdade, tornava proscritos os homossexuais e as mulheres mantinha-as num conservador patriarcado,
condenando os jovens à guerra colonial ou à deserção. Eram livres de espírito, deram corpo à resistência e
arrancaram a ferros a liberdade: são os heróis que abriram a porta a essa madrugada libertadora.
A escola pública, o Serviço Nacional de Saúde, a proteção social, os direitos laborais e a participação
cidadã tinham a marca genética da igualdade, da justiça e da solidariedade semeadas em Abril. Começava a
modernidade no País.
Veio depois a abertura à Europa e o prenúncio de uma terra mais plena perante a queda dos muros. Mas
vemos hoje como entre os sonhos e a dureza da realidade muito temos ainda a haver. Da queda do Muro de
Berlim, aos novos muros internos criados, até ao cadafalso do Mediterrâneo. E aqueles homens, mulheres e
crianças que fogem à guerra, à fome e à violência, que são depois vítimas de pirataria humana, esbarram
contra a Europa fortaleza que, em vez de se mobilizar para os acolher, se mobiliza para os devolver. Onde
está a consciência europeia, a defesa dos direitos humanos, ou até a assunção das responsabilidades que a
Europa tem nos conflitos armados que expulsam estas populações das suas terras? Não existe. Existe um
diretório e uma troica, de plantão.
Como há tantos sonhos, tantos valores, tantas promessas ainda por cumprir!
Quarenta e um anos depois da Revolução de Abril, 40 anos depois das eleições para a Assembleia
Constituinte, a democracia já não é uma criança, mas ainda não se assume plena e integral. A narrativa da
inevitabilidade torna cinzenta a democracia. A austeridade é apresentada como o alfa e o ómega, o princípio e
o fim de todas as escolhas.
E é pela voz do próprio Presidente da República que chega mais insistentemente esta ladainha. Quando
tenta impor o consenso na austeridade inscrito à partida nos programas eleitorais, quer uma democracia
tutelada. Na chantagem para uma maioria absoluta, qualquer que seja o veredito popular, quer uma
democracia condicionada. Assistimos, assim, a um pensamento que de tão único que quer ser é o eucalipto
que tudo seca, que afasta os cidadãos porque lhes diz que o seu voto não conta para nada, não faz qualquer
diferença. É a caricatura de uma democracia porque verdadeiramente nada decide, instrumentalizada para
legitimar o que, independentemente da decisão popular, já está previamente acordado.
Dizia Zeca Afonso que «o povo é quem mais ordena». E nós não aceitaremos de outra forma. Não há outro
dono da democracia para além do povo. E mesmo que digam que não é possível, que tudo está decidido, que