I SÉRIE — NÚMERO 79
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há um tratado ao qual tudo está vergado, que é orçamental e não ornamental, diremos que o povo é quem
mais ordena e que a democracia não nasceu para ser uma pena.
Nesta monotonia formalmente democrática, querem fazer do normal a austeridade. Aos jovens prometem
estágios, que o desemprego está garantido. Diz a Capicua: «Temos tudo o que é estudo…/Emprego zero. O
salário, dizem, é um privilégio, não um direito, porque os direitos, esses, estão acima das nossas
possibilidades.» E continua a rapper: «O salário não sobe,/É precário mas ouve,/Não há nada menos podre e
não sais de casa dos pais,/Não vais longe,/Um dia melhorará mas não é hoje».
Eram extraordinários os cortes, passou a ser extraordinário ter um salário, que os cortes, esses, são
normais, já estão certos. Eram temporários, mas ficam permanentes.
Era preciso apertar o cinto e congelaram-se as pensões. Era também extraordinário, mas a normalização
da austeridade é glacial e as pensões não descongelam. E dizem que tem de ser, porque é preciso cortar
ainda mais. Ou aumentar a idade da reforma, até que a pensão ou a reforma sejam um estado e não uma
remuneração. «Estás reformado? Estou, mas continuo a trabalhar!» Parece ser isso a que querem condenar
no futuro a minha geração. Isto, claro, para aqueles que ainda têm emprego, porque os outros que se
desenrasquem, que isto não dá para todos!
O aumento da pobreza mostra bem quem está a sofrer: Portugal foi o país em que mais aumentou o risco
de pobreza, com as crianças a serem as mais afetadas. Ao mesmo tempo aumentaram as fortunas. Mas
querem fazer crer que é vulgar esta desigualdade, que não é sequer um problema que os ricos fiquem mais
ricos, enquanto os pobres ficam mais pobres. Que é banal esta destruição de tudo o que é público, estas
privatizações em catadupa, para que a acumulação de uns poucos seja a regra.
Na saúde, desespera-se nas urgências e diz o Governo que vai bem, que é normal. Estão as macas nos
corredores, as imagens nas televisões, e diz o Governo que é natural, que só prova a qualidade do serviço.
Estranha qualidade esta que, para não se morrer sem medicamentos, se é obrigado a expor a vida e a doença
nos jornais.
Querem que a austeridade seja a nova normalidade, o edifício onde os direitos se desconstroem, onde os
serviços públicos se decompõem e onde o futuro se faz passado. Quatro anos de destruição não lhes são
suficientes, querem ainda mais!
Mas não aceitamos essa condenação. A normalidade da austeridade é a pretensão da perenidade da
troica, da condenação da Constituição a texto menor e da elevação do tratado orçamental a escritura nas
rochas.
O povo que fintou o seu destino amargo com o 25 de Abril é o mesmo que não se vergará aos sacrifícios
constantes da austeridade e não se condiciona a qualquer inevitabilidade.
Dizia Eduardo Galeano que «há outro mundo na barriga deste, esperando. Que é um mundo diferente.
Diferente e de parto difícil. Não nasce facilmente. Mas com certeza pulsa no mundo em que estamos.»
Foi essa esperança que fez nascer Abril.
Viva a Democracia! Viva o Povo que é o soberano da Democracia!
Aplausos do BE e dos Deputados do PCP Miguel Tiago e de Os Verdes Heloísa Apolónia.
A Sr.ª Presidente da Assembleia da República: — Em representação do Partido Comunista Português,
tem a palavra a Sr.ª Deputada Carla Cruz.
A Sr.ª Carla Cruz (PCP): — Sr. Presidente da República, Sr.ª Presidente da Assembleia da República, Sr.
Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, Sr.as e Srs.
Convidados, Sr.as e Srs. Deputados:
Nestas comemorações do 41.º aniversário do 25 de Abril de 1974, esse ato fundador e decisivo da
democracia portuguesa, começo por saudar os militares de Abril e todos os democratas e antifascistas que
lutaram para derrubar o regime fascista e devolver a dignidade e a liberdade ao povo português.
O 25 de Abril ocorreu porque muitos acreditaram que era possível vencer e derrubar o fascismo, pondo fim
à repressão exercida sobre os trabalhadores e o povo.
O 25 de Abril ocorreu porque muitos acreditaram que era possível pôr fim à fome e à miséria que se
sentavam à mesa da maior parte dos lares portugueses.