I SÉRIE — NÚMERO 84
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Diz o PS, no preâmbulo do seu projeto de lei, que a possibilidade de consignação do IRS constituiria um
importante reforço orçamental para entidades e instituições do setor da cultura. Isto não é simplesmente
verdade!
De acordo com os dados disponibilizados pela Autoridade Tributária, de 2011 a 2014 foram consignados às
IPSS, em média, por ano, menos de 9 milhões de euros. Admitindo que às entidades do setor da cultura seria
consignada uma verba semelhante — e esta é uma hipótese muito audaciosa —, isso representaria menos de
um vigésimo daquilo que é transferido anualmente do Orçamento do Estado para a cultura, que por sua vez é
uma pequena parte daquilo que seria necessário afetar à cultura. Ou seja, a proposta do PS, a ser
implementada, traduzir-se-ia num aumento insignificante das verbas atribuídas às políticas culturais. É uma
proposta que, apesar de não ser um retrocesso, não representa qualquer rutura com a atual política de
desinvestimento na cultura.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A política cultural que o PCP propõe aos portugueses consiste no efetivo
exercício dos direitos culturais, na criação de condições para o desenvolvimento integral da pessoa humana e
dos valores culturais da sociedade. E isso exige que o Estado assuma integralmente as responsabilidades que
lhe estão atribuídas na Constituição da República. Exige o reforço significativo das verbas atribuídas à cultura
no Orçamento do Estado, aumentando-as progressivamente, tal como o PCP tem defendido e os movimentos
em defesa da cultura reclamado, até atingirem o valor de 1% do PIB.
É isto que defendemos, aumentar o Orçamento do Estado para a cultura até 1% do PIB e exigir que o
Estado assuma a sua responsabilidade nesta área.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Guilherme Silva): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Moura
Soeiro.
O Sr. José Moura Soeiro (BE): — Sr. Presidente, Sr.as
e Srs. Deputados: Em Portugal, os contribuintes
podem dar 5% dos seus impostos para instituições religiosas, para IPSS, para organizações de beneficência.
Se o mecanismo existe, porque é que não poderiam fazê-lo para as instituições culturais? Não vemos
nenhuma razão para impedi-lo.
Dito isto, também devemos olhar para a realidade e tirar algumas lições: os estudos feitos nos Estados
Unidos, por exemplo, mostram que a consignação de verbas por cidadãos privados funciona para grandes
organizações e projetos, mas, regra geral, não funciona para fomentar novos projetos.
A organização não governamental Labor Force salienta que o financiamento por doações fiscais individuais
é quase sempre uma iniciativa pontual, limitada e que não permite estruturar projetos plurianuais. Se há um
caso em que o mecenato financia uma rede de serviços públicos na cultura é quando o dinheiro privado é
dado a uma entidade do Estado que administra a sua redistribuição por concurso público, como acontece no
Brasil.
Além disso, o mecanismo de consignação que é proposto e que pretende «responsabilizar individualmente
cada cidadão pelas suas opções com impacto nas políticas culturais», não merecendo oposição, não resolve o
problema do setor. Neste momento, a cultura vale 0,1% do PIB, do ponto de vista do investimento, e em
termos do Orçamento do Estado 0,2%, quando o valor de referência seria, obviamente, pelo menos 1%.
Portanto, seria até preocupante que esta solução fosse entendida como uma solução para financiar as
iniciativas e as instituições culturais, porque essa responsabilização individual não permite a estruturação de
uma política pública, não permite compensar as reduções drásticas no Orçamento e no investimento do
Estado e das autarquias e não permite garantir uma rede de instituições e agentes culturais capazes de fazer
uma política cultural de serviço público.
O Partido Socialista propõe hoje, aqui, no Parlamento esta medida relativamente à cultura e também
propõe no seu programa eleitoral que os antigos alunos possam doar 5% às instituições de ensino superior
onde estudaram. À porta das eleições legislativas, a pergunta que fica é o que é que isto significa do ponto de
vista do compromisso do Partido Socialista em termos da verba do Orçamento do Estado para estes setores.
Isto sabendo que a cultura, como a educação, são setores estruturantes do serviço público, cujo financiamento