I SÉRIE — NÚMERO 93
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Em maio do ano passado, Joaquim Goes, administrador do BES, recebeu o prémio carreira, atribuído pela
Universidade Católica pelo reconhecimento da «sua excecional carreira profissional na área de gestão». No
discurso, o premiado recordou João Paulo II, apelou à «solidariedade desinteressada» do Papa Francisco e
agradeceu aos seus antigos chefes e mentores, entre eles Ricardo Salgado. Mais ou menos na mesma altura,
o BES realizou uma operação de aumento de capital, subscrita em 178%, descrita pela comunicação social
como um grande sucesso.
Poucos meses depois, Joaquim Goes foi suspenso pelo Banco de Portugal. Entre outras coisas, o banco
terá sido usado para financiar negócios da família Espírito Santo, em parte através de sociedades offshore.
Destacam-se ainda os créditos desaparecidos do BES Angola, banco distinguido no ano passado com o
prémio de melhor banco, pela Global Finance, para o melhor banco em Angola.
Ricardo Salgado é, hoje, o último banqueiro que é preciso julgar para que o sistema bancário possa,
finalmente, voltar ao normal.
No último caso, como no primeiro, o Banco de Portugal foi incapaz de identificar os anos e anos de
contabilidade criativa, a acumulação de fraudes e de operações de branqueamento de capitais.
Houve erros na supervisão e eles devem ter consequências políticas.
É neste contexto que a recondução do Governador, bem como as declarações do Governo, não deixam de
ser surpreendentes.
O Governo, ontem, ao anunciar a recondução de Carlos Costa no Banco de Portugal, fez «uma apreciação
claramente positiva do trabalho do Governador». É caso para perguntar o que é que tanto impressionou o
Governo. O facto de o Banco de Portugal ter tido conhecimento do prejuízo e só o ter comunicado meses
depois aos clientes e à CMVM? O facto de não ter sido capaz de destituir a tempo Ricardo Salgado da
administração do BES? A «competência» de apostar todas as fichas numa estratégia de blindagem que, para
lá de ser irrealista, foi sendo sistematicamente violada, mesmo à frente dos olhos do Banco de Portugal?
Ou será que a verdadeira coragem que tanto agrada ao Governo foi o comportamento de quem sempre
deu o corpo às balas por Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque, assumindo como suas decisões que
foram, no mínimo, partilhadas com o Executivo?
Esta é a pergunta que ficou por responder quanto às consequências políticas do BES, mas não nos
perdemos dela para deixar de lado o essencial. E o essencial é que o sistema financeiro precisa de uma
grande volta. Ela vem sendo prometida, não nos esquecemos, desde a crise financeira de 2007. Obama,
Sarkozy, Blair, Merkel juntaram-se, então, em coro e a uma só voz a prometer que tudo iria ser diferente. A
finança ia, finalmente, ser posta na ordem e os offshores iam ser controlados. No essencial, para a finança,
sabemos hoje, ficou tudo na mesma. O mesmo não se pode dizer, no entanto, para a vida dos europeus e dos
portugueses, que está bem pior do que em 2007.
Entretanto, quase todos os esquemas que enumerei no início passavam por offshores, lugares construídos,
precisamente, para escapar aos olhares dos reguladores e tributários. Em qualquer uma destas crises
bancárias as práticas de investimento e especulação inundaram a atividade comercial, pondo em causa a
estabilidade e a segurança dos depositantes e, de uma forma ou de outra, todas conduziram à intervenção do
Estado e à injeção de dinheiros públicos quer de forma direta, quer indireta, o que nos remete diretamente
para as propostas que aqui vamos discutir hoje.
Srs. Deputados, o pior que podia acontecer, depois da Comissão Parlamentar de Inquérito à Gestão do
BES, era não fazer nada ou achar que se resolve tudo, como algumas das propostas sugerem, com
comissões para estudar, apresentação de relatórios, tentativas de diligências internacionais e um sem número
de medidas que são dignas da mais boa vontade mas que nada mudarão o dia a dia do funcionamento do
sistema financeiro.
É por isso mesmo que o Bloco defende a intervenção urgente em três vertentes da atividade bancária:
estruturas mais transparentes e operações mais simples; mais exigência sobre a venda de produtos
financeiros nos balcões; reforço de poderes regulatórios e de supervisão.
Estas propostas estão muito longe de esgotar a visão do Bloco de Esquerda sobre o sistema financeiro,
mas respondem muito claramente a um apelo e a uma responsabilidade na sequência dos problemas
identificados na Comissão Parlamentar de Inquérito à Gestão do BES.
Elenquemos, e expliquemos, então, resumidamente, os objetivos a que nos propomos.
Em primeiro lugar, melhorar a transparência das estruturas bancárias.