6 DE JANEIRO DE 2017
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O Sr. Bruno Dias (PCP): — Termino já, Sr. Presidente.
Há muitos problemas e necessidades para resolver e cá estamos e estaremos para prosseguir esse trabalho,
mas não é com a concorrência desleal e ilegal ou com o privilégio a multinacionais. Para isso não contem com
o PCP.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Heitor Sousa.
O Sr. Heitor Sousa (BE): — Sr. Presidente e Sr.as e Srs. Deputados, a Assembleia da República é hoje
chamada a pronunciar-se sobre duas petições de sinal contrário e que versam sobre a mesma questão: a
atividade da Uber em Portugal.
Trata-se de um exercício normal em democracia e, por isso, não posso deixar de cumprimentar os
representantes de cada uma das petições e de saudar a sua iniciativa, pois, independentemente da opinião que
possamos ter sobre cada uma delas, ambas têm o mérito de suscitar uma reflexão sobre o tema.
Quaisquer que sejam as razões de uma ou de outra parte há uma realidade indesmentível: a Uber exerce
atividade no País há praticamente três anos à margem de qualquer enquadramento legal. Esse simples, mas
significativo, facto não pode deixar de justificar uma primeira interrogação: como foi possível que, ao longo de
todo este tempo, esta atividade ilegal tenha sido exercida, violando decisões expressas dos tribunais, como foi
o caso da sentença do Tribunal da Comarca de Lisboa, de 24 de abril de 2015?
Ao contrário do que alguns repetem, como se o senso comum fosse indiscutível, a justiça neste caso não foi
lenta, foi, sim, letra morta, e quem a deveria fazer cumprir — autarquias, ACT (Autoridade para as Condições
do Trabalho), polícias, governo — não o fez. Segundo o próprio responsável da Uber, em novembro de 2016
havia cerca de 2500 veículos a operar em Portugal. Todos ilegais, mas existem.
É verdade que o aparecimento da Uber não pode ser desligado da existência de um vazio legal e também
do facto de a emissão de licenças para operação de táxi, especialmente em Lisboa e no Porto, estar bloqueada
há muitos anos. Esta circunstância teve mais ou menos como consequência a emergência de um mercado
paralelo de licenças de táxi que distorceu gravemente a concorrência, favoreceu a concentração empresarial e
agravou a precariedade no trabalho para quem trabalha neste mercado. Foi neste contexto que se inscreveu a
Uber, oferecendo serviços de chamada de veículos ligeiros para o transporte individual de passageiros, através
do acesso a uma plataforma digital em tempo real, com resultados satisfatórios para o passageiro, sobretudo ao
nível de maior transparência nas tarifas e na perceção dos percursos. Mas ficar por aqui seria olhar apenas para
a árvore e não ver a floresta.
Hoje em dia já se percebeu que esse serviço de transporte não é apenas uma fraude económica, incumprindo
diversas normas legais, tanto ao nível da fiscalidade como ao nível da legislação do trabalho, como nunca será
o eldorado anunciado onde se atingiriam valores miríficos da ordem dos 1400 €/mês.
Mesmo com atraso de mais de um ano, face ao momento em que estas petições entraram na Assembleia da
República, pode ser benéfico voltar agora a este debate.
A Uber tem representado a realidade da escravatura moderna para aqueles que nela trabalham, confirmada
pelos baixíssimos rendimentos do trabalho, que em Portugal, tal como em diversos países da Europa, não
chegam ao salário mínimo, ainda por cima a troco de horários de trabalho típicos da era pré-industrial, que
atingem as 70 horas semanais.
O Sr. Presidente: — Já ultrapassou o tempo de que dispunha, Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.
O Sr. Heitor Sousa (BE): — Vou concluir, Sr. Presidente, dizendo que estes são exemplos que não podem
deixar de nos interpelar e convocar para legislar em favor de um serviço de transporte público individual de
passageiros que elimine práticas abusivas de empresas-abutre, como a Uber, e promova a transparência nas
tarifas e nos itinerários, a equidade no acesso à atividade de motorista profissional em automóveis ligeiros, o
respeito pelos direitos de quem trabalha e a modernização do serviço de transporte em táxis ou em veículos
equivalentes.