I SÉRIE — NÚMERO 60
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Catarina Martins, do Grupo Parlamentar do Bloco de
Esquerda.
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro: De facto, ninguém leva a sério as
promessas de renascimento da Europa, pois não?
Temos um Livro Branco com cinco cenários que, de facto, foram criados para que todos aceitássemos um
deles. Ou seja, Jean-Claude Juncker pensou muito sobre a situação da Europa, viu que o motor estava avariado
e decidiu que era melhor falar da caixa de velocidades, para não olhar para nenhum dos problemas que
verdadeiramente existem na Europa.
A coisa é de tal forma caricata que depois temos Angela Merkel em eleições, Hollande que vai deixar de ser
primeiro-ministro, um silencioso Rajoy e um primeiro-ministro italiano de passagem, que se juntam e dizem:
«Não, não vamos falar de nenhum dos problemas, o que vamos falar é de velocidades». Velocidades, para
onde?
Tudo isto é de tal forma caricato que, mesmo em Portugal, num dia o Ministro Centeno diz que nunca aceitará
uma Europa a várias velocidades e no dia seguinte o Sr. Primeiro-Ministro diz que quer estar no pelotão da
frente.
A Sr.ª Assunção Cristas (CDS-PP): — Mas o Ministro Centeno é sempre assim!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Estas contradições só são possíveis e ninguém se espanta porque, de facto,
ninguém leva a sério o discurso sobre o renascimento da Europa.
Mas nós, no Bloco de Esquerda, levamos muito a sério este discurso e o que está a ser proposto. Não pelos
cenários que estão em cima da mesa, mas pelo que eles significam, pelo que, na verdade, politicamente está
em cima da mesa. E politicamente, o problema não são os cinco cenários de que nos falam. Politicamente, o
que isto significa é que a Europa prepara-se para acabar com os fundos de coesão, é formalmente o anúncio
da Europa da divergência e também a afirmação de que o único discurso que junta chefes de Estado da Europa,
hoje, é o discurso securitário, ou seja, que a Europa se rendeu ao discurso de Donald Trump. É isso que vai
estar em cima da mesa na cimeira e é isso que é preocupante.
Senão vejamos: quando o centro, dizem-nos, são as questões da segurança e vemos o que querem fazer
na Diretiva de Retorno, no momento em que se deveriam comemorar 60 anos de alguma ideia que alguns, pelo
menos, acreditaram que seria fundadora de uma Europa de paz, uma Europa que deveria ter aprendido com as
guerras, uma Europa que tantos refugiados teve, temos a tristeza imensa de ver que tudo o que faz é juntar-se
para dizer que a Diretiva de Retorno deve ser implementada da forma mais cruel, ou seja, mantendo os
refugiados e refugiadas nos centros de detenção até eles serem repatriados, incluindo crianças, incluindo
menores desacompanhados. Há lá forma mais cruel de a Europa se juntar, depois das décadas em que deveria
ter aprendido com a guerra, do que se juntar para dizer que, afinal, guerra é a palavra que conhece e o que quer
é mandar embora todos os refugiados e refugiadas que fogem da guerra?!
Aplausos do BE.
Temos famílias inteiras em campos de refugiados, menores desacompanhados e a Europa junta-se para
dizer: «Deixem-nos estar em centros de detenção até serem mandados voltar para trás, para a guerra de onde
fugiram, para a fome de onde fugiram».
É a maior vergonha e a maior desintegração de qualquer projeto de paz na Europa, porque a Europa não
estará seguramente em paz se achar que a guerra é o caminho normal de todos os seus vizinhos.
Sr. Primeiro-Ministro, esta Europa a várias velocidades, entendamo-nos, significa que a ideia da
convergência não existe, morreu! Os fundos de coesão vão acabar, é esse o caminho. O que nos estão a dizer
agora é que Portugal cumpre metas de défice impossíveis, não reestrutura a dívida porque a Europa não quer
e ainda quer ficar num pelotão da frente, em que não há fundos de coesão. Onde é que há investimento? Mas
ficamos sempre com as piores partes da Europa?!