I SÉRIE — NÚMERO 61
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O Sr. Presidente: — A Mesa não regista inscrições para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado João
Galamba.
Tem, então, a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Miguel Tiago, em nome do Grupo Parlamentar
do Partido Comunista Português.
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O facto de o CDS ter agendado uma
interpelação apenas sobre supervisão bancária diz muito da forma como o CDS procura apagar as suas
responsabilidades no escândalo dos offshore, mas também da forma como continua a procurar ilibar os
banqueiros e o próprio Governo de que fez parte da grave situação que vive o sistema financeiro português.
Perante sucessivos escândalos, como o do BPP (Banco Privado Português), o do BCP, o do BPN, o do BES
e o do BANIF (Banco Internacional do Funchal), aquilo que o CDS aqui nos traz é a mesma ideia de sempre: a
culpa é do supervisor. Temos de lembrar ao CDS que a culpa é do supervisor, mas não é só dele.
A culpa é de quem privatizou a banca portuguesa e a entregou aos grupos monopolistas, que a controlam, e
aos banqueiros, que durante décadas têm feito fortuna à custa do País.
A culpa é de quem, a partir de sucessivos governos, foi concedendo a esses grupos monopolistas um controlo
crescente sobre a banca, sobre outros setores estratégicos nacionais e sobre o próprio País.
A culpa é de quem, ao longo de anos, tem feito leis e regras à medida da gula pelo lucro da banca privada,
como as que permitem a utilização de offshore para fugir aos impostos e desviar património.
A culpa é de quem tem aceitado sem questionar as imposições e regras europeias e internacionais que
permitem a circulação de capitais sem fronteiras nem controlo e retiram aos Estados qualquer capacidade de
intervir no setor financeiro em defesa do interesse nacional. A supervisão bancária tem sido o véu com que
sucessivos governos escondem a natureza predatória da banca privatizada, um parceiro cúmplice do setor
bancário privado que tem afundado o País.
O problema central reside aí, na forma como funciona um sistema financeiro subjugado por bancos cujo único
objetivo é o de aumentar os lucros dos seus acionistas, fazendo o que for preciso para isso, cometendo crimes
e fraudes, violando a lei, obrigando países inteiros a pagar pelos seus prejuízos.
Perante a evidência de que a banca nas mãos de acionistas privados não serve os interesses do povo nem
do País, perante a evidência de que a banca privada é instável por natureza, governos e União Europeia
construíram a ilusão de que a supervisão há de resolver esses problemas vigiando os bancos e os banqueiros.
Nada é mais falso!
O supervisor é uma agência de comunicação dos bancos privados. Para quem julga que o supervisor é o
nosso instrumento público junto da banca, eis a realidade: o Banco de Portugal é a voz dos banqueiros privados
junto do público, agora, ainda por cima, comandado à distância pelo Banco Central Europeu.
Tendo conhecimento do conjunto de problemas dos bancos, o Banco de Portugal mais não faz e mais não
fez do que esconder os problemas e continuar a dizer aos portugueses: «Keepcalm, que a banca está sob
supervisão» — «Mantenham a calma, que nós vamos supervisionando».
Depois de tudo isto, querem agora convencer-nos de outra falsidade: a de que a união bancária, com a
concentração da propriedade bancária em megabancos, monopólios à escala europeia, regulados e
supervisionados diretamente pelo Banco Central Europeu, há de resolver os problemas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, desde o final dos anos 80, por opção dos sucessivos Governos, a
privatização dos bancos constituiu-se como um momento de abdicação do interesse nacional e de entrega de
uma das principais alavancas da economia e de um importante instrumento de soberania.
O PS, o PSD e o CDS decidiram entregar a banca aos grandes grupos económicos, que vieram a utilizá-la
como instrumento de extorsão da riqueza nacional, amassando lucros obscenos durante mais de três décadas,
em confronto com o equilíbrio entre a economia pública, privada e cooperativa, e o combate à formação de
grupos monopolistas, ambos comandos previstos na Constituição da República Portuguesa.
Também por opção do PS, do PSD e do CDS, Portugal era colocado de joelhos perante a União Económica
e Monetária a pretexto do progresso e do crescimento.
Ao mesmo tempo que entregavam o negócio bancário aos grandes grupos económicos e expunham a
atividade bancária a uma cada vez maior volatilidade e à especulação financeira, tentavam tranquilizar os
portugueses com o embuste da supervisão.