I SÉRIE — NÚMERO 80
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Ademais, vivendo a Europa e o mundo tempos dominados pelos apelos do digital, em que as mensagens
mais sérias fluem a ritmo alucinante, sem que emitentes e recetores se apercebam de que ficam reféns de uma
precipitação, de um esquecimento, de uma menor ponderação de conteúdos; tempos em que se afigura tentador
questionar instituições e ritos e simplificar afirmações, em homenagem à crescente aceleração de factos e
ansiosas expetativas de grupos sociais.
Pois é precisamente porque estes tempos são, amiúde, de substituição da substância pela forma, do estudo
e da qualificação pelo improviso e a superficialidade, de carreiras laborais por expedientes de ocasião, do debate
das ideias por proclamações básicas, dizendo o que se pensa ser aprazível ao ouvinte e não o que deve ser
dito; é por tudo isto, e mais a contingência de este empobrecimento ético e doutrinário abrir caminho a
radicalismos egoístas e excludentes, racismos e xenofobias, messianismos que da democracia apenas gostam
de usar o que lhes convenha, que faz sentido manter viva esta tradição.
Hoje, mais do que nunca. Para mostrar que não nos esquecemos da nossa História e que há datas, como a
do 25 de Abril — bem hajam os destemidos e corajosos Capitães de Abril —, que não foram, nem nunca serão,
indiferentes ao nosso destino coletivo. Para evocar os que já nos deixaram, como Mário Soares — ainda há três
meses — mas que continuam bem vivos na nossa memória; para confirmar que preferimos a democracia —
apesar de imperfeita, injusta ou incompleta — à mais sedutora das miragens ditatoriais. Para sublinhar que a
democracia tem uma Casa, em que se entrechocam as mais variadas visões da vida e da sociedade, e que nem
mesmo o tom áspero dessas discussões pode servir de pretexto para questionar a riqueza da diversidade
democrática. Para reforçar que é porque entre nós há tanta diversidade e tão vigorosos combates políticos que
o nosso sistema de partidos é dos mais estáveis na Europa, não deixando espaço a riscos antissistémicos
conhecidos noutras paragens. Para recordar que, se é verdade que a democracia está longe de acabar nesta
Casa, ou em todos os órgãos de soberania, a Assembleia da República é um símbolo primeiro da democracia
portuguesa. Prestigiá-la dá vigor à nossa democracia. Dela permanentemente fazer exemplo de discussão
substancial, de elevação pessoal, de atenção aos portugueses, de visão de médio e longo prazo, protege-nos,
a todos, contra a descredibilização da política, a tentação da demagogia, a revivescência de messianismos,
oferecendo passados improváveis ou futuros ilusórios.
Eis, por conseguinte, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, por que entendo que, neste tempo dos
chamados populismos anti-institucionais, dos tropismos antissistémicos, é essencial tornar claro que nos
orgulhamos dos nossos marcos históricos. Queremos viver em democracia, sabemos que ela tem de ser mais
livre e mais justa, mas sabemos, também, que valorizar a Assembleia da República, tal como todos os órgãos
de soberania, e outras instituições constitucionais de referência, a começar pelas Forças Armadas, é condição
insubstituível para que os portugueses nunca desistam do que andam a construir há mais de 40 anos.
Sim, porque não podemos olvidar que, se há heróis da nossa democracia, para além dos que a prepararam
e que, no 25 de Abril, lhe abriram caminhos de futuro, esses heróis são os portugueses.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS-PP e da Deputada do Bloco de Esquerda Catarina Martins.
Eles a converteram de projeto coletivo e de Constituição escrita em vida, construindo-a a cada momento. Os
portugueses constroem a democracia pelo voto, pela sua liberdade de opinião e de crítica, pelos partidos,
movimentos, associações políticas a que aderem ou em que militam. Ou então fazendo um percurso mais
solitário, fora dessas estruturas representativas, sem se desinteressarem da causa pública, assim dando
expressão aos direitos políticos e pessoais.
Os portugueses constroem democracia nas escolas, nos lugares de trabalho, nos sindicatos e nas
associações patronais, nas comunidades locais, no voluntariado, nas Misericórdias, nas IPSS (Instituições
Particulares de Solidariedade Social), nas agremiações culturais e cívicas, nas igrejas a que pertencem, desse
modo nunca deixando omitir ou esvaziar intoleravelmente os direitos económicos, sociais e culturais.
Os portugueses constroem democracia quando, emigrantes, nunca se esquecem das suas terras e para elas
contribuem sem cessar, ou quando recebem imigrantes e refugiados de todo o mundo, lembrando-se que a sua
odisseia é igual à que conhecem desde os séculos XV e XVI. E, portanto, apostando na abertura a outras
latitudes e longitudes.
Os portugueses constroem democracia quando, ao fim de anos de sacrifício, sentem que valeu a pena tudo
terem feito para sanear as finanças públicas ou tornar possível crescer e criar emprego de forma duradoura e,