I SÉRIE — NÚMERO 65
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O Sr. Pedro Soares (BE): — Muito bem!
O Sr. Carlos Matias (BE): — Também é assinalado o papel de travão de propagação dos incêndios
desempenhado por espécies autóctones.
Tal como Bloco de Esquerda há muito defende, inclusivamente através do projeto de resolução n.º 609/XIII
(2.ª), o Relatório aponta para o necessário reforço da plantação de espécies autóctones, para a necessidade de
limpar as áreas do sob coberto, para o apoio continuado aos pequenos proprietários e para a promoção da
gestão agregada. Curiosamente, este projeto de resolução do Bloco de Esquerda, que ia neste sentido, com
estas orientações, foi aqui chumbado, em janeiro de 2017, por PSD e CDS-PP, com abstenções do PS, do PCP
e de Os Verdes.
Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: A floresta não é apenas uma realidade física, económica e ambiental, é
também uma realidade social. Nunca poderemos esquecer que 93% da floresta portuguesa é privada, repartida
por centenas de milhares de pequenos proprietários de microparcelas, proprietários que deverão ser
estimulados para este processo transformador e não penalizados pela eventual incapacidade económica para
gerirem ativamente as suas pequenas parcelas.
É fulcral apoiar todas as formas de associação dos pequenos proprietários que permitam uma gestão
agregada de espaços alargados que confiram racionalidade ao ordenamento e ganhos económicos.
Há anos, as ZIF (zona de intervenção florestal) foram nesse sentido, mas foram deixadas definhar sem
perspetivas e sem apoios ao seu funcionamento. As unidades de gestão florestal (UGF), uma nova geração
para o associativismo, ainda há pouco tempo foram criadas na lei, mas estão a ser apagadas do discurso oficial
do Governo.
Sem fortes incentivos, nomeadamente financeiros, à constituição de UGF será completamente impossível
constituí-las. A sua constituição obriga a trabalho intenso de proximidade com as pessoas e, numa relação de
confiança, para cada uma agregar dezenas, ou mesmo centenas, de produtores. O Regulamento do Fundo
Florestal Permanente já foi alterado de modo a permitir este financiamento; falta agora regular e aplicar com a
máxima urgência.
As entidades de gestão florestal (EGF), essas, emergem agora como o alfa e o ómega do Governo para uma
transformação positiva do espaço rural. Ora, as EGF são a porta aberta para o espaço rural da finança e da
indústria. Não lhes faltará, provavelmente, músculo financeiro, mas falharão no objetivo de tornar a floresta mais
resiliente aos incêndios porque não reordenam nada e assentam numa estrita lógica produtivista.
Só haverá transformações profundas no espaço rural se os pequenos proprietários forem fortemente
apoiados e ganharem com essa transformação.
Nesse sentido, os instrumentos de apoio da PAC (política agrícola comum) têm de ter uma reorientação
profunda. É inadmissível, como o Relatório aponta, que, relativamente a ações de prevenção estrutural, a partir
de 2015, com o PDR 2020 (Programa de Desenvolvimento Rural), a maior parte dos apoios aprovados se tenha
concentrado nas grandes propriedades do Alentejo, com baixo risco de incêndio.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Matias (BE): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Além disto, estima-se que só um terço do apoio foi aplicado em ações diretamente relacionadas com a
prevenção de incêndios.
Para esta distorção absurda contribuiu a Portaria n.º 134/2015, de 18 de maio, do Governo anterior, ao excluir
o risco de incêndio dos critérios considerados e beneficiando os grandes proprietários em detrimento dos
pequenos, precisamente onde o risco é muito maior e onde é preciso mais apoio.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Matias (BE): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Tem de haver mudança a sério. Se nos limitarmos a mudanças
superficiais, porventura com visibilidade mediática, a tragédia vai repetir-se.