13 DE JULHO DE 2018
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A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD traz aqui uma proposta que
exige uma avaliação clínica em qualquer circunstância para esta tomada de decisão, mais concretamente um
documento que comprove a avaliação médica resultante de equipa interdisciplinar atestando a existência de
desconformidade entre a identidade de género e o sexo com que nasceu. E insiste, insiste que não é contra a
autodeterminação da identidade de género!
Sr.as e Srs. Deputados do PSD, decidam-se: uma coisa é exatamente o contrário da outra.
Aplausos do BE e de Deputados do PS.
A autodeterminação, como o próprio nome indica, e podem comprová-lo em qualquer dicionário de Língua
Portuguesa, significa «a ação de decidir por si mesmo». Isso é exatamente o contrário do que propõem.
Além disso, exigir um relatório que ateste a desconformidade entre a identidade de género e o sexo
pressupõe a avaliação de identidades, que é algo que clinicamente, medicamente — como, aliás, ficou bem
expresso, bem patente nas extensas audições que fizemos, em sede de especialidade, a vários especialistas
médicos e a vários especialistas clínicos —, é algo que os médicos não fazem. Não se avaliam identidades.
O Sr. Carlos Peixoto (PSD): — Então, para que querem o atestado?!
A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Por último, volto a lembrar, em relação à proposta do PSD, o anúncio da
Organização Mundial de Saúde (OMS) de retirada das identidades trans da lista de Transtornos Mentais e
Comportamentais, confirmando a despatologização já reconhecida pela comunidade médica e científica
internacional e nacional.
O PSD consegue ficar, aliás, muito, muito atrás da compreensão do Sr. Presidente da República sobre esta
matéria. Até o Sr. Presidente da República afirma que não se trata de uma patologia, nem de uma qualquer
perturbação mental, e reconhece o direito à autodeterminação de género. Talvez fosse bom os Srs. Deputados
e as Sr.as Deputadas do PSD chegarem ao século XXI.
Aplausos do BE.
A lei da identidade de género, de 2011, contra a qual o PSD votou, representou um indiscutível avanço no
respeito pelos direitos das pessoas trans, mas é hoje, sabemos, uma lei desatualizada, assente numa conceção
conservadora e ainda patologizante das identidades trans e que ofende, por isso mesmo, o fundamental direito
à autodeterminação da identidade.
A despatologização e o reconhecimento da autodeterminação de género, enquanto direito fundamental e
enquanto condição imprescindível ao livre desenvolvimento da personalidade, merecem, atualmente,
reconhecimento internacional, estando expressas na Resolução n.º 2048 da Assembleia Parlamentar do
Conselho da Europa e, como referi, também agora pela Organização Mundial de Saúde, que, no passado dia
18 de junho, anunciou a retirada desta questão da Classificação Internacional de Doenças (CID).
Reconhecer o direito à autodeterminação de género das pessoas trans não é uma ideia transcendente,
extraordinária e muito menos um capricho ou uma moda. Trata-se de reconhecer — e é isso que é
autodeterminação — que cada pessoa sabe e sente, no seu íntimo, quem é, e que ninguém precisa de terceiros
para confirmar se são homens ou mulheres, meninos ou meninas.
Vários países já deram este passo: Dinamarca, Malta, Suécia, Irlanda e Noruega. No passado dia 13 de abril,
Portugal tornou-se o sexto país europeu a consagrar o direito à autodeterminação da identidade das pessoas
trans, ao aprovar aqui, nesta exata Câmara, a possibilidade de alterarem o seu nome e sexo no registo civil e,
consequentemente, nos seus documentos de identificação pessoal, sem a tutela de terceiros e sem um
diagnóstico de perturbação de identidade. Fomos mais longe, estendendo esse direito aos jovens a partir dos
16 anos, por sabermos que a identidade de género se manifesta em tenra idade e que é normalmente a partir
da adolescência que as dificuldades que os jovens enfrentam mais se acentuam.
O Presidente da República vetou esta lei. Mas importa aqui, mais uma vez, reforçar aquilo que já foi dito, ou
seja, que o Presidente da República vetou uma questão muito específica da lei. O veto centrou-se unicamente