I SÉRIE — NÚMERO 107
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uma pedra angular do processo de descentralização. E, de facto, assim é. Acontece que esta proposta de lei
não é a concretização financeira do processo de descentralização de competências. Na realidade, praticamente
o único artigo que de perto se relaciona com a descentralização é a criação de um fundo de financiamento da
descentralização.
Sou favorável a que, no tratamento destas questões estruturantes para o nosso País — a estrutura vertical
de competências entre os diferentes níveis de administrações públicas —, haja acordos interpartidários
maioritários e diálogo com as associações do setor (ANMP, ANAFRE,) que definam as linhas essenciais deste
tipo de reformas, sustentadas em análises técnicas publicamente escrutinadas. Desconhece-se, porém, o
estudo que fundamentou estas propostas de largo impacto financeiro e a posição da academia. Entendo que
este tipo de processos, pela importância que têm, não podem deixar de relevar o papel da Assembleia da
República (AR) e dos Deputados. Os largos meses dados para acordos extra-parlamentares e o reduzido tempo
(semanas) para apreciação, na especialidade na COFMA, denota um desrespeito objetivo, mesmo que não
intencional, pela AR em geral e pelos Deputados em particular.
B) Apreciação na generalidade.
Da análise da proposta de lei do Governo, das propostas de alteração do PS e das propostas de alteração
do PSD é possível obter uma apreciação global dos resultados das votações em sede de COFMA. Tendo sido
as propostas aprovadas efetivamente em COFMA, cumpre-me nesta sede clarificar o sentido de voto na
generalidade e em relação a normas específicas.
— Existem alguns aspetos positivos nos artigos aprovados em COFMA, inscritos na PPL LFL (e.g. caminhar
para a aplicação gradual da participação dos municípios nos impostos do Estado prevista na Lei) ou parcialmente
positivos, pois deveria ir-se mais longe (eliminar a isenção de IMI em imóveis do Estado devolutos).
— Porém, existe um conjunto de aspetos problemáticos que levarão a que as alterações aprovadas à LFL a
tornem pior do que a atual e em nada ajude o processo de descentralização:
— Enquanto a Lei atual tem uma filosofia clara em relação à perequação financeira vertical e horizontal, em
torno de três eixos essenciais: um Fundo Geral Municipal (transferências gerais para competências e atribuições
genéricas), um Fundo de Coesão Municipal (numa lógica redistributiva) e um Fundo Social Municipal (FSM)
(associado a competências específicas e por isso consignadas), o articulado aprovado em COFMA cria um
fundo adicional (Fundo de Financiamento da Descentralização) que não se percebe, nem como será desenhado,
nem como se articula com o FSM, e acaba com a consignação de receitas.
— Facilmente se compreende que a variação da participação nos impostos do Estado (PIE) é superior aos
envelopes financeiros adequados às novas competências. Sendo as novas competências financiadas pelo
(novo) Fundo de Financiamento da Descentralização (FFD), o acréscimo da PIE, excluindo o FFD, deveria ser
apenas no sentido de convergir para a aplicação dos critérios que a Lei prevê para a PIE e que não têm sido
aplicados dado, nomeadamente, o Procedimento de Défices Excessivos. Ora, o articulado aprovado faz três
coisas: i) cria o FFD, ii) faz a convergência para a PIE legal e iii) dá recursos adicionais aos municípios, uns
justificados (abolição de certas isenções de IMI), outros injustificados (participação no IVA). Não existe
fundamentação para este acréscimo injustificado de recursos referido em iii).
— O articulado aprovado em COFMA não está suficientemente entrosado com os outros instrumentos
legislativos do processo de descentralização (Lei-Quadro e decretos-leis setoriais).
— A proposta aprovada é ambígua e pouco especificada nalguns aspetos (repartição do IVA e do Fundo de
Financiamento da Descentralização, mecanismos de recuperação financeira municipal, etc.) e é mais complexa
e inconsistente noutros (novamente, IVA; não incorporação do IRS no cômputo do Fundo de Coesão Municipal
e aumento da sua componente redistributiva, etc.)
— As propostas aprovadas em COFMA reduzem a responsabilidade política dos decisores locais (passa a
haver uma série de decisões de natureza fiscal por defeito, que não exigem nenhuma deliberação da assembleia
municipal, nomeadamente a fixação da taxa de IRS, até 5% da coleta.)
— A proposta aprovada de regime de responsabilidade financeira (proposta de alteração do PS face à
proposta de lei do Governo), ao invés de se apontar para uma clarificação e densificação dessa responsabilidade
— na Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas que deve ser revista — e de essa responsabilidade
se limitar a membros dos órgãos executivos com responsabilidade direta e dirigentes municipais, alarga a