I SÉRIE — NÚMERO 107
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383/XIII (2.ª), do PSD, estabelece, sob a forma de lei, no âmbito do processo de descentralização, o regime
jurídico do quadro da transferência de competências para as autarquias locais e para as entidades
intermunicipais.
Sou favorável ao processo de descentralização, que considero ser um elemento essencial da reforma do
Estado, constando, de resto, do programa eleitoral do Partido Socialista e do Programa do XXI Governo
Constitucional.
O texto de substituição apresentado traz alguns progressos importantes relativamente às propostas iniciais.
A título de exemplo, destaque-se a previsão da concretização do disposto no diploma em diplomas setoriais1 [e
não em decretos-leis — artigo 4.º como previsto na proposta de lei n.º 62/XIII (2.ª)] e a previsão de uma comissão
que assegure a monitorização dos resultados do processo de descentralização (artigos 4.º, n.º 4, e 6.º, n.º 3).
Na realidade, a Lei prevê, no seu artigo 44.º, n.º 1, que, não obstante a entrada em vigor no dia seguinte ao
da publicação do diploma (artigo 43.º, n.º 1), a mesma fica com os seus efeitos suspensos até que os diplomas
legais de âmbito setorial sejam aprovados em termos que acolham o consenso da Associação Nacional de
Municípios Portugueses (em diante ANMP). Tal previsão consubstancia-se num direito de veto desta Associação
que, assim, fica com o poder de, não dando o seu consenso aos diplomas setoriais, manter a suspensão de
eficácia da larga maioria dos preceitos da Lei que surgirá do referido texto de substituição [só não suspendendo
a eficácia do artigo 4.º, n.º 2, alínea a), nos termos do artigo 44.º, n.º 2)].
Tal previsão no referido preceito do texto de substituição traz um condicionamento externo inadmissível do
modo de exercício das competências e poderes próprios da Assembleia da República ou do Governo (consoante
a forma dos diplomas setoriais), constituindo por tal facto o que aparenta ser uma manifesta inconstitucionalidade
por violação do artigo 112.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa. Sou favorável a que, nestas
matérias complexas e estruturantes para o País, se procurem consensos com certos organismos setoriais
relevantes (como é, neste caso, a ANMP), sem, claro está, violar a Constituição. Neste sentido, solicitei em
Plenário a desagregação dos artigos 1.º a 43.º e 44.º e votei, em votação na especialidade, contra a assunção
pelo Plenário da votação indiciária do artigo 44.º, realizada em sede de Comissão.
Sublinho, também, que entendo que existem alguns aspetos que deveriam ter merecido uma formulação
distinta e mais cuidadosa. O primeiro aspeto liga-se aos artigos 5.º, n.º 2, e 38.º, n.º4, que estabelecem que a
revisão do regime financeiro das autarquias locais deveria considerar, por um lado, «o acréscimo de despesa
em que estas incorrem pelo exercício das competências transferidas e o acréscimo de receita que decorre do
referido exercício» e deveria definir, por outro lado, os recursos financeiros afetos às transferências das novas
competências das freguesias que, face à revisão da Lei das Finanças Locais (aprovada nesta reunião plenária),
são normas que de pouco servem e que, de resto, não são cumpridas pela dita revisão (que nada diz sobre
estes aspetos). O segundo aspeto prende-se com a não identificação clara dos montantes afetos ao Fundo de
Financiamento da Descentralização (artigo 5.º, n.º 3). O terceiro aspeto prende-se com a não previsão, no artigo
6.º, de mecanismos que assegurem a transparência e um acompanhamento pelos cidadãos e organizações da
sociedade civil do processo de descentralização, o que se afigura como extremamente importante em face da
relevância de todo este processo e o manifesto interesse público que lhe subjaz. O quarto aspeto problemático
prende-se com o artigo 9.º e com a falta de reponderação do conteúdo do preceito à luz de algumas críticas
fundamentadas sobre uma eventual inconstitucionalidade material do mesmo apresentadas por alguma doutrina
relevante2. O quinto aspeto prende-se com a não referência e inclusão dos técnicos superiores no artigo 11.º,
n.º 2, alínea e), que me parece ser algo incoerente com a lógica almejada de reforço das competências dos
municípios. O sexto aspeto problemático é o da não exigência de uma utilização de interesse público
relativamente ao património imobiliário público, referido no artigo 16.º, n.º 1 — cuja gestão passa a ser da
competência dos órgãos municipais. O sétimo aspeto é a falta de clareza sobre quais são as modalidades afins
de jogos, referidas no artigo 28.º, n.º 1.
O oitavo aspeto prende-se com a necessidade de uma articulação do artigo 38.º, n.º 1, alíneas a) e b), com
o artigo 22.º, n.º 1, alínea c), uma vez que estamos perante diferentes autarquias (municípios e freguesias) com
1 Obviamente que a expressão “diplomas legais de âmbito sectorial” é algo evasiva e pouco esclarecedora, porém abre a porta a que essa concretização possa ser feito por via de Lei (conforme me parece que deve ser pelo menos nas áreas mais vastas, como a educação, a saúde e a ação social). 2 José Melo Alexandrino, «Algumas notas sobre o processo de descentralização em curso», in Questões Atuais de Direito Local, n.º 18, Abril/Junho de 2018, página 23.