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I SÉRIE — NÚMERO 45

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É para isso que nos sentamos aqui, neste Hemiciclo. É precisamente para ouvir a sociedade, para encarar a

realidade, para resolver os problemas, para proteger as mulheres, para garantir que elas não mais sintam

vergonha, culpa ou medo, porque, Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, vergonha e culpa deviam ser aquilo que

sentimos de cada vez que falhamos nessa proteção e de cada vez que a impunidade prevalece.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Quem acha que a lei atualmente já protege estas vítimas, que protege as

mulheres e as meninas dos crimes sexuais e da violação, quem acha que está tudo já muito diferente daquilo

que estava há 20 ou 30 anos, quem acha normal que crimes desta gravidade contra as pessoas sejam menos

severamente punidos do que crimes contra o património ignora que este é um problema estrutural, que é um

crime de género, que agride os mais fundamentais direitos humanos das mulheres e cujos danos têm uma

amplitude inimaginável e deixam marcas para o resto da vida.

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — Quem acha que está tudo melhor e que não é preciso mudar nada despreza

o facto de, das 404 condenações por violação em 2016, apenas 37% dos condenados cumpriram pena efetiva

e de, nos casos de violência doméstica, essa percentagem é ainda mais chocante: do total das queixas

existentes, 70% são arquivadas e mais de 90% dos processos concluídos acabam em pena suspensa.

Quem acha que a alteração do Código Penal em 2015 já resolveu tudo esquece-se dos sucessivos acórdãos

que não julgam um crime como violação, porque não houve violência ou porque a vítima seduziu e dançou na

pista antes de ser violada por dois homens numa casa de banho enquanto estava inconsciente; ou que

desculpabilizam o agressor, porque a mulher foi infiel; ou que não acreditam que uma mulher possa ser vítima

de violência doméstica, porque é jovem, independente e moderna.

Há 30 anos, tínhamos acórdãos que desvalorizavam uma violação, porque as vítimas «se puseram a jeito»,

entraram na «coutada do macho ibérico».

Há cerca de 10 anos, o País ficou chocado por um tribunal considerar que um psiquiatra que violou uma

paciente grávida não exerceu força suficiente e ela não resistiu com determinação suficiente para que fosse

considerada uma violação.

Hoje, temos acórdãos que desculpabilizam a violação, porque consideram que, e estou a citar, «A culpa dos

arguidos é amenizada por uma noite de álcool e mútua sedução» ou que «a ilicitude não é elevada, porque não

há danos físicos ou são diminutos e não houve violência».

Hoje, temos acórdãos que justificam a pena suspensa nos casos de violência doméstica, porque o adultério

da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do Homem e porque na Bíblia se diz que uma mulher

adúltera deve ser punida com a morte.

Srs. Deputados e Sr.as Deputadas, ontem, o Conselho Superior da Magistratura deu um passo na direção

certa ao decidir pelo não arquivamento do processo disciplinar levantado ao Juiz Neto Moura, decorrente das

suas argumentações neste Acórdão.

O Bloco de Esquerda tem apresentado desde sempre, continua a apresentar, e fá-lo neste momento,

soluções que respondem a estas mulheres e que dizem o óbvio: o consentimento é a linha vermelha; se uma

mulher está inconsciente e alguém tem com ela relações sexuais, isso é uma violação;…

O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!

A Sr.ª Sandra Cunha (BE): — … a violência não pode ser critério para a definição de violação, porque a

violação é já, por si só, um ato da mais extrema violência;…

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Exatamente!