I SÉRIE — NÚMERO 76
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de perseguição e o crime de violência doméstica são coisas distintas, conceptualmente distintas, e merecem,
evidentemente, um tratamento penal e processual distinto.
O projeto de lei do PCP, relativamente à possibilidade de aplicação de medidas preventivas de proibição de
contacto com a vítima no crime de perseguição, justifica-se pelo conhecimento e pela experiência que nos trouxe
já a tramitação relacionada com este tipo de crime.
Aquando da aprovação da lei que aqui autonomizou o crime de perseguição — na altura, ainda tínhamos
apenas como referência a expressão britânica stalking, porque era algo pouco conhecido em Portugal —,
apareceram testemunhos diversos de situações como essa que justificaram que houvesse uma autonomização
conceptual do crime de perseguição no ordenamento jurídico português.
Nessa altura, nas audições realizadas, houve propostas no sentido de que pudessem ser tomadas medidas
de proibição de contacto, mesmo em fase preventiva, porque isso seria importante para poder afastar
precocemente o perseguidor da vítima.
Essas sugestões não foram seguidas, mas a prática da aplicação da lei revelou que isso seria necessário.
No crime de perseguição temos visto situações em que, até que haja uma sentença transitada em julgado, a
perseguição continua, e com contornos muito graves, pelo que a vitimização se prolonga no tempo. Portanto, a
experiência aconselha a que se altere a legislação portuguesa, no sentido de que, também em fase preventiva,
possa ser imposta ao perseguidor a proibição de contacto com a vítima.
Foi nesse sentido que o PCP apresentou esta proposta, felizmente, já seguida por propostas de outros grupos
parlamentares, pelo que cremos que haja um consenso muito amplo relativamente a esta medida e a que ela
possa ser aprovada a breve prazo.
Relativamente a outras questões de direito penal e processual penal aqui presentes, queria dizer que
discordamos profundamente de propostas sobre esta matéria, que vêm quer do CDS, quer do PSD. Há princípios
basilares do nosso processo penal que não podem ser abandonados, e não podem ser abandonados a nenhum
título. A gravidade dos crimes não pode ser pretexto para liquidar as bases fundamentais do nosso direito
processual penal.
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — O direito processual penal existe para proteger os inocentes e, portanto, os
inocentes têm de ser protegidos! São os criminosos que têm de ser combatidos! E, se não houver regras no
combate aos criminosos, não há regras para proteger os inocentes.
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — Nós não podemos deitar pela borda fora conquistas civilizacionais que
custaram muito a alcançar. E não me refiro só a Portugal, refiro-me à humanidade, a quem custaram muito a
conquistar e, por isso, não podem ser deitadas pela borda fora.
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — Como diz o nosso povo, não se pode «deitar fora o menino com a água do
banho» e, portanto, este concurso de ideias em que o PSD e o CDS se lançaram, de limitação da liberdade
condicional, faz lembrar um outdoor de um partido, dito de extrema-esquerda — e acho que é de extrema, mas
não considero que seja de esquerda —, onde se diz: «Nem mais uma pena suspensa», como se a questão
fosse a existência da possibilidade de penas suspensas.
A questão tem a ver com a adequação da aplicação das penas suspensas e aí, evidentemente, há um
trabalho a fazer, mas não pode ser por atacado. Não é a subverter regras fundamentais do direito processual
penal que se combate a criminalidade.
Todos consideramos que o crime de violência doméstica é muito grave, todos temos de colaborar para
encontrar medidas, inclusivamente de aperfeiçoamento legislativo, para combater, sem qualquer hesitação, este
fenómeno criminal, mas temos de ter cuidado na preservação daquilo que é essencial no nosso ordenamento
jurídico. Daí que não acompanhemos algumas das propostas que aqui são feitas, aliás, os pareceres que temos