I SÉRIE — NÚMERO 94
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instituições (políticas, militares, judiciais, media), degradação dos valores morais e dos costumes (corrupção,
novas agendas disruptivas), degradação do cimento social e comunitário (com acentuamento dos fenómenos
de solidão).
É urgente denunciar um círculo vicioso cada vez mais profundo: (i) a política e os políticos são focos de
desconfiança; (ii) os incentivos, materiais e morais para exercer funções políticas são cada vez mais escassos;
(iii) por isso, a área de recrutamento é cada vez mais reduzida e em circuito fechado, gerando situações de
fechamento; (iv) a qualidade média dos políticos desce, bem como da decisão política; (v) a participação política,
particularmente em eleições, decresce, afetando a legitimidade dos eleitos; (vi) a desconfiança na política e nos
políticos cresce, cada vez mais acusados de não atenderem adequadamente aos sentimentos dos eleitores.
O futuro
Alarmamo-nos com o alheamento dos jovens em relação à política. As últimas eleições europeias — onde
os primeiros jovens do milénio poderiam votar — confirmaram padrões que se têm acentuado. Mas àqueles que
encontram motivação e têm coragem para quebrar o cerco à política oferecemos de (final de) legislatura em
(final de) legislatura condições cada vez mais dissuasórias (para si e até para familiares não necessariamente
próximos): crescente devassa da vida privada, obstáculos a uma carreira profissional depois da política,
escrutínio permanente dos seus atos de uma forma que nunca seria tolerada para o comum dos cidadãos,
sujeição a impropérios permanentes nas redes sociais. E tudo isto sob a permanente suspeita de ilusórios
salários e benefícios milionários.
Conclusão
Compreendo e registo todo o esforço realizado pelo Grupo Parlamentar do PS para manter as soluções
normativas dentro do limite do razoável, mas isso não impede que se fique com a sensação de um indelével
deslizamento no sentido da desgraduação da política e daqueles que escolhem fazer dela a sua missão.
Lisboa, 7 de junho de 2019.
O Deputado do PS, Vitalino Canas.
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Votei favoravelmente a legislação que visa mudar diversos aspetos da vida parlamentar, com destaque para
o Estatuto dos Deputados, o respetivo regime remuneratório, as regras de transparência e as incompatibilidades.
Em 2017, no livrinho POLÍTICOS.PT - Guia Prático das Remunerações de Altos Cargos da República, expus
de forma pormenorizada as razões pelas quais era (e continuará a ser até à próxima legislatura) perversa e
insustentável a situação que se veio arrastando desde há vários anos em matéria de regras de conduta, estatuto
e remuneração de altos cargos.
Infelizmente:
1 - A reforma foi feita no final da Legislatura e não no princípio. Não se aplica, pois, aos Deputados que a
aprovaram, prolongando aquilo mesmo que se reconhece ser nefasto. Isso diminui o impacto positivo da reforma,
que se devidamente feita teria sido importante para contrariar a desconfiança em relação aos titulares de cargos
políticos.
2 - O processo de produção das normas do chamado «pacote da transparência» arrastou-se durante
excessivo tempo. Pior ainda: os trabalhos só incidiram sobre questões remuneratórias depois de polémica
pública sobre disfunções que agora se corrigem. Reconhece-se, pois, a sua existência, em tempo útil, mas com
danos reputacionais já inapagáveis.
3 - A reforma deixa de fora o estatuto de muitos outros altos cargos da República criados avulsamente com
assimetrias injustificadas e prejudiciais, desde as autoridades administrativas independentes a entidades
fiscalizadoras de diversos tipos. Também elas precisam de códigos de conduta e correção remuneratória.
Abundam os aspetos positivos:
1 - As alterações respeitantes aos Deputados e à vida parlamentar são justificadas. Justificadas pelas
mudanças ocorridas desde a fundação da democracia parlamentar portuguesa e sufragadas pelo Direito
Comparado, onde chegaram mais depressa do que a Portugal. O passar dos anos e a falta de impulso
reformador deixaram pairar incertezas sobre tópicos em a lei deve ser clara e aplicada sem vacilações (morada