8 DE JUNHO DE 2019
73
Tudo isto leva à redução da base de recrutamento do pessoal político, cada vez mais circunscrita a franjas
da sociedade e, concomitantemente, a uma ameaça da deslizante degradação da qualidade do pessoal político.
Prefigura-se a séria possibilidade de um dia (se não for já hoje…) o padrão médio de conhecimento/capacidade
dos políticos ser visto pelos cidadãos como inferior ao que se regista na própria sociedade política em que estão
inseridos, com a consequência imediata de os cidadãos se sentirem mais preparados do que os políticos para
tomarem decisões, sendo, portanto, estes inúteis ou sumptuários.
Uma das inevitáveis manifestações da redução — ou fechamento — da base de recrutamento do pessoal
político é o fenómeno do «governo de família» que em Portugal têm animado, nos últimos tempos, os noticiários
e alguns setores da opinião e da política.
O cerco aos partidos e à democracia representativa
O cerco à política e aos políticos não anda só. Coexiste com o cerco aos partidos políticos «tradicionais» (e
não apenas pelos populistas). As razões começam a ser estruturais e não conjunturais:
a) Os partidos políticos, pilares da democracia — particularmente a democracia representativa — são
ultrapassados pela dinâmica comunicacional e pelas alterações tecnológicas;
b) A inconciliabilidade de interesses e a sua incomportabilidade financeira leva a impasses e a incapacidades
de decisão, aparecendo apenas perante a opinião pública a manifestação mais saliente ou visível disso: os
debates parlamentares, a refrega governo/oposição, passando uma imagem de incapacidade de entendimento
(os políticos estão presos às suas «capelinhas», «falam, falam», «são incapazes de se entender»);
c) Nessa medida, os partidos tradicionais, agora forçados a serem catch all, estão inevitavelmente
condenados ao falhanço, desprestigiando-se e sendo crescentemente desafiados por líderes populistas,
partidos ou movimentos inorgânicos, instantâneos ou de agenda concentrada num assunto, de duração efémera,
que, enquanto duram, condicionam o espaço político, etc. O sistema partidário, particularmente na Europa,
perde a estabilidade que o caraterizou durante muitas décadas depois da II Guerra.
Por outro lado, regista-se a incapacidade do político local de controlar os movimentos globais:
a) A sensação de que os políticos e os partidos tradicionais são incapazes de decidir, de proteger os
interesses dos cidadãos, de tomar decisões sensatas e adequadas ao nível nacional, assistindo passiva e
indolentemente aos problemas, decorre da crescente internacionalização dos problemas e das soluções, bem
como da deslocação do poder de decisão e influência para entidades políticas externas ou para entidades não
políticas («os mercados», as multinacionais, as redes internacionais);
b) Assume-se crescentemente que o fenómeno da globalização é incontrolável, não regulável ao nível
nacional — ou pelo menos ao nível dos estados que não têm o estatuto de grande potência —, pelo que os
políticos locais são vistos como uma peça irrelevante desse movimento global.
A resposta da política sob cerco
Apanhada entre dois fogos — o daqueles que a acusam de ociosa, sobranceira, privilegiada, pouco
transparente, corrupta, preocupada apenas em manter privilégios e o daqueles que dizem que se fecha em si
própria —, a tendência da «classe política» parece ser sempre a de transigir, em vez de enfrentar, parecendo
sempre reconhecer, implicitamente, que as críticas são justas, dando-lhes, no fundo, mais lastro.
É isso que decorre das respostas «clássicas»:
a) Reforço das incompatibilidades;
b) Reforço dos deveres de reporte e exposição do património e rendimentos pessoais e familiares;
c) Proibições de exercício de certas atividades ou da assunção de certos cargos e funções após o termo do
exercício do cargo político (em alguns casos, quase impedindo o exercício de profissão para a qual se
prepararam durante décadas);
d) Restrições que atingem até familiares mais ou menos distantes;
e) Reforço das tipificações e sanções penais aplicáveis especificamente a delitos cometidos por políticos (em
alguns casos, só aplicáveis a eles);
f) Alterações estatutárias que por vezes chegam a ser humilhantes (por exemplo, no que se refere a
justificação de faltas, comprovação de viagens, demonstração de residência).
O círculo vicioso
Tudo isto gera um sentimento de falta de qualidade ou de degradação da política (e, sobretudo, da política
feita pelos partidos tradicionais e pelos seus militantes), que é apenas um dos componentes de outras
degradações (mais uma vez, não apenas denunciadas ou exploradas por populistas): degradação das