I SÉRIE — NÚMERO 97
36
A recomposição do quadro de governação das instituições nunca foi tão complexa quanto hoje, depois das
eleições para o Parlamento Europeu e tendo em conta a composição do Conselho Europeu.
As eleições mostraram a acentuação de tendências de há uma ou duas décadas: a Europa diversifica-se
politicamente, multiplicando-se as agendas com expectativas razoáveis de realização.
A tensão tradicional entre uma Europa mais permeável à estrita lógica dos mercados, mais focada no
mercado único e na melhoria da competitividade, mais aberta ao fenómeno da globalização, e uma Europa mais
social, mais preocupada com a coesão e com a solidariedade internas — tensão, até aqui, protagonizada pelos
dois grupos políticos que dominaram o Conselho Europeu e o Parlamento Europeu desde a sua existência, com
maior ou menor intervenção do ALDE (Alliance of Liberals and Democrats for Europe), agora Renew Europe —
, foi desafiada pelo resultado das eleições.
É inevitável que aquelas duas agendas clássicas tenham de ser complementadas, articuladas ou, até mesmo,
subalternizadas por outras agendas, por vezes contraditórias, com poder para se impor: críticas da globalização,
ambientalistas, avessas aos acordos de comércio, revisionistas das políticas de migração.
Por outro lado, as eleições mostraram também a capacidade de um setor populista, eurocético, nacionalista,
a raiar o extremismo de direita, ganhar posições, embora de forma muito menos pujante do que anunciavam e
ambicionavam.
Ainda está para se ver se aqueles que advogam uma prática e um discurso nacionalista e isolacionista,
acautelando interesses próprios e desprezando os dos outros, são, efetivamente, capazes de se unir com
coerência e coesão.
Mas, se essa união de ações for conseguida por eles, ela não é necessariamente negativa. Antes cria um
polo contra o qual as forças políticas europeístas — sejam socialistas, conservadores, liberais ou verdes —
serão convocadas a unir forças nos momentos e nos temas decisivos.
Considerando este panorama, recomposição institucional com sucesso será aquela que consiga garantir pelo
menos dois objetivos: primeiro, o equilíbrio entre os vários órgãos — Presidente do Parlamento, Presidente da
Comissão, Presidente do Conselho, Alto Representante para a PESC (política externa e de segurança comum)
e, noutro patamar, Presidente do Banco Central Europeu —, que permita a harmonização virtuosa das várias
agendas em termos que sejam benéficos para o aprofundamento e a consolidação do projeto europeu; segundo,
a capacidade de conjugar esforços para derrotar aqueles que querem destruir o projeto europeu e para reganhar
para esse projeto o eleitorado que neles votou.
Muitos de nós apoiam a consolidação do modelo dos Spitzenkandidaten. Não é o único modelo concebível
em contexto de democracia representativa, mas a sua aplicação contribui para a consolidação das instituições
democrático-representativas da União Europeia.
Não obstante, tem de se admitir que, numa situação polarizada, fracionada e desafiadora, como é a presente,
esse modelo pode mostrar-se inexequível.
Muitos dos dados que são hoje determinantes não eram conhecidos aquando da escolha dos
Spitzenkandidaten dos vários grupos políticos, podendo o respetivo perfil não se coadunar com as exigências
atuais.
Por isso, é possível que as escolhas tenham de conseguir equilíbrios que não passem necessariamente
pelas personalidades antes apresentadas, nem pela entrega de presidências e lugares de liderança a quem tem
mais eleitos, embora não os suficientes para garantir uma maioria.
O Sr. Presidente: — Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.
O Sr. Vitalino Canas (PS): — Termino, Sr. Presidente.
Em 2015, Portugal mostrou capacidade para construir, internamente, um modelo de governação inovador,
imaginativo e de sucesso, que soube enfrentar os condicionamentos que, então, se colocavam. Pode constituir,
portanto, um exemplo relevante para a Europa.
Registe-se e aplauda-se, Sr. Primeiro-Ministro, a atuação proeminente que lhe foi entregue, no sentido de
desempenhar, neste processo de recomposição institucional, um papel positivo e um papel que permita uma
solução correta e adequada.
Aplausos do PS.