12 DE SETEMBRO DE 2019
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Poderia alguém ainda argumentar que por «modo de vida» a Comissão Europeia designa algum tipo de
preocupação com o bem-estar, com o salário ou o Estado social, mas nada disso. Esta é mesmo a pasta do
controle migratório e o que se pretende não é proteger o nosso estilo de vida, é impedir que outras pessoas
possam aceder a ele. Ganhou, então, na Europa a visão cruel que faz do Mediterrâneo um cemitério e da Europa
uma fortaleza.
Mas a nova presidência da Comissão Europeia apresenta-nos ainda outras bizarrias, disfarçadas com nomes
sonantes.
A pasta da Democracia e Demografia — repito, Democracia —, é entregue a uma Comissária croata, aliada
do Governo húngaro contra as sanções impostas pelo Parlamento Europeu por violação dos valores europeus
em matérias de migrações e Estado de direito.
O Sr. DuarteMarques (PSD): — É xenofobia!
A Sr.ª MarianaMortágua (BE): — Ou seja, a tal proteção do modo de vida europeu passou, portanto, a
contemplar a recompensa a políticos e governos que violam direitos humanos.
Prova disso mesmo é a promoção do Ministro da Justiça do Governo de Orbán a Presidente da Comissão
para a Vizinhança e o Alargamento — e estamos a falar do responsável direto pelas políticas que põem em
causa os princípios de separação de poderes na Hungria —, Ministro de um Governo que, segundo o relatório
do Parlamento Europeu, perseguiu migrantes, refugiados e minorias, como os ciganos.
Sr.as Deputadas e Srs. Deputados, não é possível manifestar preocupações genéricas sobre direitos
humanos e democracia e ignorar o espetáculo de horrores que se monta neste palco europeu, ao qual se juntam
também «fantasmas do Natal passado».
Irónico é apenas um eufemismo, se quisermos comentar a atribuição de uma pasta chamada, e cito, «Uma
Economia que Trabalha para as Pessoas» a Valdis Dombrovskis, o comissário que defendeu que Portugal devia
ser sancionado e perder fundos estruturais por não ter aplicado austeridade suficiente.
E o que dizer da entrega da pasta com o nome «Plano de Investimentos Verdes» a um entusiasta da
austeridade como Frans Timmermans?
A proposta é má para Portugal e é má para a Europa. E engana-se quem pensa que a presença de Elisa
Ferreira neste grupo fará a diferença que conta. O problema não é pessoal, muito longe disso, o problema é
político.
Em primeiro lugar, porque aprendemos, há muito tempo, que as instituições valem mais do que as pessoas:
Elisa Ferreira não mudará a Comissão Europeia, da mesma forma que Mário Centeno não mudou o Eurogrupo.
Nenhum comissário português vale a validação política desta nova Comissão e de tudo o que ela representa
politicamente.
Em segundo lugar, porque a presença de uma portuguesa na pasta da Coesão não garante, por si só, mais
fundos para este objetivo, nem que Portugal sairá beneficiado nesse processo de atribuição de fundos.
Em terceiro lugar, porque a pasta da coesão não se chama só Coesão; chama-se «Coesão e Reformas». E
sabemos onde isto vai parar: a Europa prepara-se para criar mecanismos de condicionalidade para a atribuição
dos fundos de coesão. Não apenas decidimos cada vez menos onde podemos investir estes fundos, como cada
vez mais ficaremos dependentes daquilo a que chamam «reformas estruturais para a atribuição de fundos». E
todas e todos sabemos o que isso significa: privatização, degradação de direitos laborais, liberalização
financeira, austeridade.
Sr.as e Srs. Deputados: Ainda há poucos meses, houve quem nos falasse de um Renascimento europeu,
fruto de uma aliança entre partidos socialistas e liberais de direita, como Macron. Não foi preciso esperar muito
para ver o que, de facto, está a renascer com o apoio dessa mesma aliança entre socialistas e liberais: a
extrema-direita no centro das instituições europeias e a dominar a sua política.
O Sr. JoséManuelPureza (BE): — Muito bem!
A Sr.ª MarianaMortágua (BE): — Resta saber, agora, e perante este cenário que se monta na União
Europeia, como vai cada partido votar no Parlamento Europeu esta proposta de composição da nova Comissão