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I SÉRIE — NÚMERO 16

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pode fazer travar tal lei. Para travar a lei, foi preparada uma iniciativa popular de referendo na qual o povo

pede à Assembleia da República que rejeite tais projetos e continue a proteger a vida humana».

Tudo claro, portanto. Os promotores da iniciativa de referendo são, por princípio, contra o referendo que

propõem. Repudiam-no. Mas, num arroubo de sinceridade, dizem que o referendo é um recurso, um

expediente, algo a que recorrem com o único objetivo de barrar o caminho ao Parlamento e travar uma lei que

despenalize a morte assistida. Louve-se-lhes, portanto, a franqueza: sem tibiezas, dizem que não é o respeito

pelo povo que os move, mas sim um propósito puramente instrumental, o de se oporem a uma maioria política

que representa aqui, no Parlamento, a maioria do País, que aprova a despenalização da morte assistida nas

condições e nos casos previstos na lei. Tática política contra a responsabilidade de legislar — é isso e só isso

que aqui nos é trazido hoje.

Acresce, como já foi dito, que a pergunta que é proposta pelos promotores deste hipotético referendo é

capciosa e pouco séria, uma habilidosa via de sentido único para obter a resposta pretendida. De novo,

nenhum debate sério, só habilidade política.

Sobre os propósitos reais desta iniciativa concreta, estamos, pois, conversados. Mas há um segundo

debate a fazer sobre ela: o da validade do referendo para decisões sobre direitos fundamentais. O Bloco de

Esquerda quer ser claro a este respeito: o referendo é um instrumento democrático, mas referendar direitos de

todos é pôr esses direitos nas mãos de alguns, e isso é inaceitável.

O Sr. Jorge Costa (BE): — Muito bem!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Há perguntas que eu quero, com lealdade, colocar hoje, aqui, às Sr.as e Srs. Deputados que, convicta e seriamente, defendem esta proposta de referendo.

Estariam de acordo com um referendo sobre a vossa liberdade de expressão? Apoiariam um referendo

sobre o vosso direito de professar uma religião ou de não professar religião nenhuma? Submeteriam a

referendo o vosso direito de casar com quem querem ter comunhão de vida? Estou certo de que,

razoavelmente, não o fariam, porque a vossa liberdade, a nossa liberdade, não se referenda.

O Sr. Jorge Costa (BE): — Muito bem!

O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Porque a vossa vida, a nossa vida, não se referenda. Porque as vossas e as nossas decisões sobre a liberdade e sobre as nossas vidas não se referendam.

Aplausos do BE e de Deputados do PS.

Tivesse o direito de as mulheres votarem sido submetido a referendo quando as sufragistas eram acusadas

de histeria, tivesse o direito de os escravos serem homens livres sido referendado pelos esclavagistas, tivesse

o direito à greve sido referendado quando os patrões atacavam com força bruta as lutas pelo pão e pela

dignidade e essas conquistas inestimáveis, da igual humanidade e da igual dignidade de todas as pessoas,

teriam ficado confiscadas por quem não queria abrir mão do seu poder.

O mesmo se discute aqui hoje.

Deve o direito de um médico ajudar, sem ser condenado a pena de prisão, quem, com uma doença

irreversível e fatal e em condição de sofrimento dilacerante, lhe pede para antecipar a sua morte ser

referendado? Para o Bloco de Esquerda não deve, e por duas razões fundamentais. Primeiro, porque esta não

é uma questão de «sim» ou de «não». Só para alguma leviandade hiperliberal ou para proibicionistas

dogmáticos a despenalização da morte assistida se reduz a um simplista «sim» ou «não». Para a

esmagadoríssima maioria das pessoas, a superficialidade desse absolutismo só pode ser repudiada. E é

precisamente para regularmos o que é complexo e não o que é simples que o povo nos atribuiu, a nós, seus

representantes, a responsabilidade de legislar, ponderando todos os valores e todos os interesses, ouvindo

todo o melhor saber de que a sociedade dispõe a respeito de cada tema e doseando a prudência e a

sabedoria com a determinação na defesa dos direitos de todos.

O Sr. Jorge Costa (BE): — Muito bem!