24 DE OUTUBRO DE 2020
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mercantilização por parte de quem recorre à maternidade de substituição, tanto da gestante como do casal
beneficiário. Aliás, na sua pronúncia sobre o anterior diploma o Tribunal Constitucional considerou que o modelo
de gestação de substituição tal como foi concebido pelo legislador era conforme à Constituição, pois o seu
caráter subsidiário, voluntário e gratuito eram o garante do respeito pelo princípio da dignidade humana. Para
além disso, ao carecer de autorização do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, a gestação
de substituição será sempre um ato ponderado, acompanhado e respeitador da dignidade humana de todas as
pessoas envolvidas, mas também altamente regulado e fiscalizado. Finalmente, sentimo-nos eticamente
tranquilizados com o facto de não poder haver material genético da gestante de substituição envolvido no
concreto procedimento em que é participante.
As mulheres sem útero ou com uma doença do mesmo que inviabilize uma gestação são as únicas mulheres
inférteis que não têm direito a um tratamento médico adequado à sua doença. A infertilidade é uma doença
declarada pela Organização Mundial da Saúde e o Estado português está obrigado nos termos da Constituição
da República Portuguesa a proporcionar tratamentos de PMA a quem deles carece. Legalizar o acesso à
gestação de substituição é uma questão da mais elementar justiça para com as mulheres que sofrem deste tipo
de infertilidade, dando-lhe igualdade de acesso a tratamento médico para ultrapassar a sua condição de doença,
como têm todas as outras mulheres inférteis.
Os Deputados do PSD, Margarida Balseiro Lopes — António Lima Costa.
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Foi hoje votado, em sessão plenária, o Projeto de Lei n.º 223/XIV/1.ª (PS) — Sétima alteração à Lei n.º
32/2006, de 26 de junho, alargando as situações de realização de inseminação post mortem.
A proposta do PS visa, na sua essência, alterar o artigo 22.º, com vista à correção da discriminação descrita
no preâmbulo: «Ademais, a subsistência em vigor do artigo 22.º com a redação atual torna-se mesmo
incongruente perante a evolução que a lei conheceu nos últimos anos: podendo hoje uma mulher não casada e
que não integre uma união de facto recorrer a técnicas de PMA com recurso a um dador anónimo e não existindo
garantias de que este ainda esteja vivo no momento em que o início do procedimento tenha lugar, acaba por
vedar-se a possibilidade de recurso à PMA quando esta era consciente, expressamente consentida e
correspondente a uma vontade comum de ambos os futuros progenitores, admitindo-se, contudo, que, nas
mesmas circunstâncias, a intervenção possa ter lugar através de recurso a banco de doação.»
O Grupo Parlamentar do CDS-PP (GP CDS) votou contra este projeto de lei pelas razões elencadas na
intervenção realizada em sessão plenária.
O GP CDS votou, em 2016, contra a atual redação da lei da procriação medicamente assistida e, à data,
vários dos seus Deputados subscreveram um pedido de fiscalização sucessiva que dirigiram ao Tribunal
Constitucional e que obteve ganho de causa.
Presente este contexto, e presente a questão que espoleta o projeto de lei do Partido Socialista, entendeu o
CDS que se mantinham reservas ponderosas que deveriam levar ao voto desfavorável, designadamente:
Questões relacionadas com a defesa do superior interesse da criança, explanadas nos pareceres do
Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e do Conselho Nacional de Procriação
Medicamente Assistida;
Questões éticas resultantes da indistinção entre «inseminação com sémen da pessoa falecida» e a
«transferência post mortem de embrião»;
Questões formais, como a falta de obrigação de um consentimento prévio escrito sob a forma de
testamento ou escritura pública e o não estabelecimento de prazos mínimo e máximo para a ponderação
e aplicação da decisão — à semelhança do que acontece em outros países.
Subscrevendo estas reservas, e conscientes da sensibilidade ética subjacente a esta matéria, reconhecem
as Deputadas abaixo assinadas existir, de facto, uma iniquidade à luz da presente lei. Assim, reconhecem
também que a sua correção deve ocorrer, acautelando, no trabalho de especialidade, todos os aspetos formais
e salvaguardas éticas.
Palácio de São Bento, 23 de outubro de 2020.