I SÉRIE — NÚMERO 17
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Cumpre acrescentar que o Tribunal Constitucional tem competência para apreciar em juízo sobre a
constitucionalidade desta formulação, caso o projeto de resolução lhe seja submetido para apreciação.
O declarante discorda do modo como a pergunta se encontra redigida.
i) O declarante considera que o número de subscritores do referendo é muito expressivo. O Parlamento,
qualquer que seja a sua posição, não deve e não pode ignorar o número de 95 287 subscritores.
Num momento em que se fala tanto da necessidade de participação democrática dos cidadãos, cada vez
mais alheados da vida política, é surpreendente como tantos se tenham unido nesta iniciativa.
E muitos, certamente, mais preocupados com o referendo sobre a substância do que sobre a tecnicidade da
pergunta formulada, que como dissemos parece eivar de deficiências graves.
Várias vezes o declarante afirmou que não existiu um verdadeiro debate sobre a eutanásia ou a morte
medicamente assistida e o número de subscritores parece fazer transparecer uma opinião cidadã viva e oculta.
Tantas vezes petições no Parlamento são discutidas com base em número de subscritores muito menor do
que aquele que agora se apresenta ao Parlamento e, ainda assim, e bem, este órgão de soberania dá-lhes
relevo público.
Deve mencionar-se ainda, apenas como exercício comparativo e sem qualquer pretensão de autolimitação
da sua legitimidade enquanto cotitular de um órgão de soberania, que o PSD, nas últimas eleições legislativas,
obteve no concelho do Porto, de onde o declarante é natural, 44 211 votos. No distrito o PSD obteve 291 183
votos. A pergunta que, porém, se impõe é afinal sobre a relevância ou irrelevância do número dos 95 287
subscritores.
O declarante conclui que, qualquer que seja a sua decisão final, ela tem forçosamente de considerar o
significativo número de subscritores deste referendo e deve ponderar a mensagem que transmite para estes e
para todos os cidadãos com a sua escolha (o seu sentido de voto), já que o mesmo pode importar uma deposição
do exercício do direito de iniciativa constitucionalmente consagrado do referendo.
Votar abstenção ou votar a favor? A abstenção do declarante pode significar um desprezo pelos tantos
subscritores deste referendo?
Mais, transmite um voto de abstenção um sinal errado a enviar aos cidadãos sobre o papel que estes
desempenham na construção da nossa democracia?
j) Na dúvida, o declarante julga que seria ousado defender a ablação do exercício do direito referendário
e assumir uma posição que impedisse o fim instrumental a que se dirige a consulta popular.
Conclusão:
O declarante, compulsada toda a reflexão que ora se expendeu, conclui existirem pontos que o inclinariam a
votar contra (a formulação da pergunta por exemplo), outros que o inclinariam para a abstenção e ainda outros
que o direcionam para o voto a favor do referendo.
No escurso mental percorrido e que por transparência se expôs conclui-se pela relevância significativa do
número de subscritores da iniciativa do referendo, que não pode ser desprezado; pela ausência de riscos sobre
a imposição de uma visão de uma minoria sectária em face, por exemplo, de uma abstenção elevada na consulta
popular, dadas as regras de funcionamento do instituto do referendo e da maioria necessária para que este se
torne vinculativo; pela ausência de um verdadeiro referendo sobre direitos fundamentais, porquanto o que os
subscritores pretendem é que a eutanásia ou a morte medicamente assistida não sejam descriminalizadas e,
como se disse, o declarante não reconhece um direito fundamental a escolher morrer; a matéria em substância
por detrás da iniciativa do referendo não foi tratada no programa eleitoral do PSD nas últimas eleições
legislativas; nos termos constitucionais e legais o instituto do referendo é legítimo e constitui uma forma de
exercício direto do poder político pelo povo, a par de outros institutos vigentes no ordenamento jurídico português
e, apesar do exercício da democracia direta não ser uma prática diária, pelas dificuldades logísticas e outras
que são conhecidas, não se pode diminuir a oportunidade da mesma, quando ocorra, preenchidos os requisitos
constitucionais e legais; existe prática anterior do referendo em matérias de consciência, como esta é.
Por tudo isto, o declarante votou a favor do referendo resultante da iniciativa popular e espelhada no Projeto
de Resolução n.º 679/XIV/2.ª, desejando que seja possível o aperfeiçoamento da pergunta com a intervenção
do Tribunal Constitucional e nos termos legalmente admitidos.
Palácio de S. Bento, 23 de outubro de 2020.