24 DE OUTUBRO DE 2020
79
b) Disse quando votei os projetos sobre a eutanásia ou a morte medicamente assistida que era contra
todos eles, desde logo porque:
«a eventual aprovação destas iniciativas ocorrerá num contexto em que, como é referido e lembrado no
Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias de 12/02/2020, que
analisou as diferentes iniciativas legislativas, apenas o BE e o PAN declararam nos seus programas eleitorais
nas últimas eleições submeter esta questão à apreciação da AR, mas já não o PS ou o Programa do Governo,
ou os demais partidos políticos, retirando, desse modo, legitimidade a esta Assembleia da República para
apreciar esta matéria, a não ser que se considere que numa democracia pouco relevam os programas dos
partidos políticos submetidos a sufrágio nas eleições e que o voto dos eleitores não é mais do que um cheque
em branco a favor dos Deputados que elegem. Não nos podemos admirar, depois, que os cidadãos se afastem
ou censurem os políticos, pois estes são os primeiros a incumprir a sua palavra, ainda mais em matérias como
esta do direito à vida.
De recordar que o BE e o PAN obtiveram um total de 12,84% dos votos nas últimas eleições legislativas,
bem pouco representativo da maioria da sociedade portuguesa.»
Em face do exposto, se o declarante considera que a matéria do referendo — o instrumento legal — está
intimamente ligada com a substância — a concordância ou discordância com a eutanásia ou a morte
medicamente assistida —, então a conclusão evidente, seguindo um argumento lógico, é que também para o
referendo o declarante não foi mandatado pelo povo português para a ele se opor. Sim, porque o eventual voto
contra, nesta linha argumentativa específica, tem como consequência única o concordar implicitamente com a
eutanásia ou a morte medicamente assistida.
Pesará aqui uma dúvida sobre a ponderação entre a liberdade do eleito ou o exercício da liberdade e da
vontade popular expressa através do referendo.
O declarante conclui não ter sido mandatado pelos eleitores nas últimas eleições para votar contra o
referendo, atento o programa eleitoral sufragado.
Mas então, votar a favor ou abster-se?
c) Uma certa linha argumentativa acrescenta que se o Parlamento conceder no referendo sobre a
eutanásia estará a demitir-se da sua função de representação.
Outros afirmam o contrário, defendendo de modo inequívoco que o estatuto referendário é um instrumento
há muito consagrado, já usado no passado noutros temas, e que a vontade popular é legítima, mesmo numa
democracia representativa.
Efetivamente, noutras democracias, a vontade popular e o exercício da democracia direta tendem a ser
experiências bem-sucedidas e possíveis. Não se deixa de reconhecer, porém, que a dificuldade aumenta com
o número de participantes. E esse facto dá força à criação de um sistema de representação.
Mas existem casos, mesmo na democracia portuguesa, em que se apela à participação direta dos cidadãos,
ora quando se discute, por exemplo, um orçamento participativo de âmbito local, ora quando, nos termos da Lei
n.º 169/99, de 18 de setembro, se estabelece que a assembleia de freguesia nas freguesias com 150 eleitores
ou menos é constituída pelo plenário dos eleitores e não por cidadãos eleitos. Um outro caso seria o do referendo
local. São exemplos em que a vontade popular, na ponderação entre o sistema representativo ou a participação
direta, optou por esta última, que melhor expressaria a vontade popular. Não existe, nesta, a mediação de
vontades, mas a manifestação da vontade original dos eleitores.
Reconhece-se, contudo, que os níveis de aprofundamento destas experiências de participação direta não
adjetivam todo o nosso sistema democrático, constituindo apenas uma aresta do sistema jurídico-político
poliédrico português.
Porém, não se pode ignorar que o legislador constituinte estabeleceu o direito ao referendo, desde logo, nos
artigos 10.º e 115.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). O artigo 10.º qualifica o referendo como
forma de exercício do poder político pelo povo.
O povo não entregou, sem mais, todo o seu poder ao sistema de representação, tendo criado mecanismos,
como o do referendo, em que exerce ele diretamente o poder político, o poder de escolha.
O instituto do referendo convive ao lado, a par, do poder de representação, este como forma indireta de
exercício do poder político conferido pelo povo. E a soberania reside no povo (artigo 3.º da CRP).
E no equilíbrio de poderes, o povo não se limitou no exercício do direito referendário quanto à matéria da
eutanásia ou da morte medicamente assistida.