I SÉRIE — NÚMERO 17
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5. Na manifestação da sua posição sobre a matéria, apesar de ser contra os aludidos projetos, disse-se
também na altura que «o subscritor não é tendencialmente favorável ao referendo sobre este tema, pois os
direitos fundamentais — como o direito à vida — não são referendáveis; mas compreende quem, perante a
ausência de debate sério e suficiente na sociedade portuguesa, tenta evitar a aprovação destas iniciativas
com a defesa do referendo e como ato derradeiro pela defesa da vida humana»;
6. Desde fevereiro do corrente ano até ao presente momento, algo aconteceu, a sociedade portuguesa, melhor
dizendo, um conjunto muito significativo de cidadãos — 95 287 — uniu-se para a apresentação de uma
iniciativa com vista à realização de um referendo, nos termos concedidos pela lei;
7. A pergunta proposta pelos subscritores é: «Concorda que matar outra pessoa a seu pedido ou ajudá-la a
suicidar-se deve continuar a ser punível pela lei penal em quaisquer circunstâncias?»;
8. O PSD deu liberdade de voto aos seus Deputados sobre este projeto de resolução referendário;
Este é o quadro de factos em que o declarante tem de tomar uma decisão. Votar a favor, abstenção ou contra
o referendo?
Para o efeito, impõe-se a resposta às seguintes questões:
a) A matéria do referendo é uma questão política, uma questão formal ou uma questão de consciência?
b) O declarante está mandatado pelos eleitores que o elegeram para decidir sobre este referendo?
c) A eventual votação a favor do referendo constitui uma demissão do Parlamento da sua função de
representação do povo?
d) Constitui a iniciativa do referendo um instrumento dilatório ou ilegítimo por parte dos seus subscritores?
e) Constitui o referendo sobre a eutanásia uma verdadeira consulta popular sobre um suposto direito
fundamental (direito a morrer) que não deve ser referendado para proteção dos direitos fundamentais?
f) Existem precedentes quanto à realização de outros referendos que se relacionem de alguma forma com
direitos fundamentais?
g) O referendo pode conduzir a uma ditadura de uma minoria popular, i.e., não decidindo os representantes,
uma pequena parcela da população (votantes) pode impor a todos a sua decisão, seja ela qual for?
h) A pergunta proposta pelos subscritores do referendo é adequada e ponderada para os verdadeiros
propósitos de uma consulta popular sobre a eutanásia ou a morte medidamente assistida?
i) O número de subscritores — 95 287 — deve ser irrelevante para a decisão do declarante?
j) Respondidas todas as perguntas, na dúvida, deve o declarante impor o seu pensamento, arrogando-se
da sua legitimidade democrática como eleito?
Procurando responder a cada questão, com vista a alcançar o seu sentido de voto, o declarante conclui:
a) A matéria em apreço poderia ser considerada uma questão política, porquanto todas as questões
apreciadas pelo Parlamento são políticas, na medida em que visam o cuidar da polis, da cidade.
Qualquer questão que tenha dignidade de subir ao palco parlamentar não pode deixar de ser política,
qualquer que seja o caminho que no fim os representantes decidam, por maioria, traçar para esse tema.
Mas uma questão política não o é em exclusivo e não tem de o ser sobremaneira, já que outras dimensões
podem sobrepor-se.
E uma questão política não é sinonímica de questão partidária, de estratégica político-partidária.
É, no entanto, seguramente, uma questão formal, na medida em que segue uma tramitação inscrita na lei,
mas não o é em exclusivo.
Há, obviamente, na matéria do referendo sobre a eutanásia uma questão de consciência.
Existem argumentos que justificam que o referendo não é uma questão de consciência porque não versam
sobre a substância, mas tratam da admissibilidade de um instrumento legal — o referendário, a consulta popular
sobre um tema.
Outros argumentos afirmam inequivocamente tratar-se de uma questão de consciência, já que o instrumento
não é indissociável da substância que logo se descortina no referendo. Como dizer que não é indiferente saber-
se qual o tema que o referendo pretende cuidar, já que o posicionamento do decisor é por ele influenciado.
Nesta linha argumentativa existe uma ligação visceral entre a substância e o instrumento, que elevam a decisão
do referendo a uma questão de consciência.
O declarante acompanha esta segunda linha de pensamento, concordando tratar-se de uma questão de
consciência, dimensão que sobreleva relativamente à questão político-formal, na lógica de estratégia partidária.