I SÉRIE — NÚMERO 21
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A realidade veio dar-nos razão ainda mais depressa do que pensávamos. Assim, 48 horas antes da entrada
em vigor do estado de emergência, o Primeiro-Ministro dizia que o mesmo não contemplava a instauração do
recolher obrigatório. Ora, essa foi logo a primeira medida.
Esse mesmo recolher obrigatório é, aliás, transformado, ao fim de semana, num autêntico confinamento
geral, a partir das 13 horas, mais uma vez sem justificação que se veja, mas com dois resultados que se veem
muito bem: aglomerações desnecessárias de pessoas nos estabelecimentos comerciais durante a manhã; e,
soubemos hoje, quebras de faturação de mais de 50% de vários serviços, sobretudo a restauração, atividade
onde estão empregados mais de 600 000 portugueses.
Mas, pior, ficámos também a saber ontem, na reunião no Infarmed, através do único estudo que é público
sobre a matéria, que os dados nem sequer suportam a afirmação de que ir a um restaurante aumenta o risco
de contágio.
Neste momento, com os dados que nos foram disponibilizados, pode dizer-se que o Governo tomou decisões
que vão destruir um setor, com base em coisa nenhuma.
Mas a desorientação do Governo não fica por aqui. Na semana passada, a máquina de propaganda do PS
pôs a circular a informação de que sabia muito bem em que circunstâncias as pessoas eram contagiadas. Tal
só não era conhecido em 5% dos casos. Pois bem, ficámos também ontem a saber que, na verdade, os casos
de origem de contágio desconhecida não são 5%, são 81% — certamente, uma pequena diferença para o PS.
É este tipo de incompetência que está a transformar o suposto «milagre português» numa tragédia, com custos
para milhares e milhares de portugueses.
Insistimos num último ponto: não faz sentido continuar a tomar medidas de contenção da pandemia sem
ponderar os custos para a sociedade e para a economia, custos esses que podem ser, pelo menos, tão graves
como os da própria pandemia. Nove meses depois do início do combate à COVID, é inconcebível não termos
consolidado o necessário conhecimento científico e empírico para tomar estas decisões com ponderação e
consistência.
Quanto ao decreto do estado de emergência, ele consegue ser ainda pior do que o anterior. A mesma
ligeireza, o mesmo cheque em branco, mas com um requinte adicional de malvadez: proibir os profissionais de
saúde de se desvincularem do SNS. Já não chegava poderem obrigar qualquer português a entrar, agora
proíbem estes portugueses de sair.
Por tudo isto, e não seria preciso reafirmá-lo, o Iniciativa Liberal irá votar contra a declaração do estado de
emergência, porque prezamos, acima de tudo, a liberdade e a responsabilidade individuais.
O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem, agora, a palavra a Sr.ª Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.
A Sr.ª Joacine Katar Moreira (N insc.): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A COVID-19 aumenta com o número de infetados, de doentes, de internados, mas é necessário que este estado de emergência, cuja
renovação se pretende aqui hoje, seja um estado de emergência que não sirva só para a requisição de indivíduos
mas que seja um estado de emergência que vá mais longe e que faça aquilo a que está a resistir fazer, que é
uma requisição das instituições, nomeadamente chamar à razão e chamar ao País as instituições privadas,
colocar o ónus nestas instituições, porque os indivíduos, na sua maioria, têm respondido à chamada de não
deixar ninguém para trás.
Mas hoje eu também gostaria de referir aqui um outro elemento: não se pode falar de estado, seja ele de
emergência, de calamidade ou de contingência, se não se falar de democracia e dos ataques à democracia. É
insuficiente defendermos um Estado social e economicamente robusto se lhe retirarmos a força pela nossa
inação e passividade, face aos ataques aos seus cidadãos e às suas cidadãs e à própria democracia.
Então, julgo que é o momento de acionarmos também, nem que seja mentalmente, um Estado democrático
que seja antirracista, que não admita manifestações racistas, um Estado democrático que seja feminista e que
proteja as mulheres neste ambiente em que a pandemia origina ainda mais violência e também um Estado
democrático que efetivamente nos respeite, seja inclusivo e igualitário.
Isto significa um estado de emergência interseccional que valoriza e reage às demandas dos mais
desfavorecidos, dos invisibilizados e dos sedentos de justiça. Combater a pandemia da supremacia racial e
étnica, combater a pandemia da arrogância, da violência e do ódio, da instalação do caos e do oportunismo